Em 2011, os ministros do Supremo
Tribunal Federal debateram para saber se
a convivência pública, duradoura e com o ânimo de formar família, por pessoas
de sexo igual deveria ser admitida como entidade familiar à luz da Lei Maior,
considerada a omissão legislativa. Em caso positivo, se caberia a aplicação do
regime previsto no artigo 1.723 do Código Civil de 2002.
Ora, é precisa a importância do direito diante do horizonte
moral da modernidade baseado em liberdade e igualdade. Afinal, constitui
instrumento jurídico-político que iguala (em primeiro passo) os sujeitos,
fazendo esmaecer os privilégios. Logo, desde já seria possível apontar a
legitimidade da reivindicação dos casais homossexuais, contudo, primeiramente,
examine-se os fatos: O índice de homicídios por homofobia (mais de cem
homicídios anuais), como bem lembra o ministro Marco Aurélio, “é revelador”,
pois “18 milhões de cidadãos
considerados de segunda categoria: pagam impostos, votam, sujeitam-se a normas
legais, mas, ainda assim, são vítimas preferenciais de preconceitos,
discriminações, insultos e chacotas, sem que lei específica a isso coíba”.
Sendo assim, segundo o ministro, “o aumento do número de
pessoas envolvidas nas manifestações e nas organizações em prol da obtenção de
visibilidade” e, portanto, dos benefícios já conquistados pelos homossexuais “faz
pressupor um quadro de maior compreensão no futuro”. Tal fato, segundo Honneth,
faz parte de uma dinâmica cumulativa de forças
para conquistar igualdade e liberdade de maneira cada vez mais ampla.
Este engajamento em uma luta social por meios não violentos, como explica Honneth,
tem a função de proporcionar uma “auto-relação” nova e positiva para restituir
o “auto-respeito” dos membros dessa comunidade o qual é prejudicado diante da
“vergonha social” por eles sofrida. Ou seja, como afirma a professora
norte-americana Nancy Fraser, a diferenciação social entre heterossexuais e
homossexuais está fundada em uma ordem de status social heteronormativa a qual resulta em “considerar gays e lésbicas
como outros desprezíveis aos quais falta não apenas reputação para participar
integralmente da vida social, mas até mesmo o direito de existir”, uma
realidade obviamente de, nos termos de Honneth, “desrespeito” e ausência de
estima pelos pares.
É por isso que, dentro da ideologia de Honneth, poderíamos
classificar a resistência e busca emancipatória – uma característica do tempo
atual em grupos específicos– dos homoafetivos como consequência de uma lesão
moral, que fere sua integridade psíquica já que, mesmo se constituindo a união
homoafetiva uma realidade social, no caso debatido, limitava-se a liberdade de
atuação do indivíduo através do não reconhecimento. Por conseguinte, o ministro
Fux esclareceu na ocasião que os homoafetivos queriam pleitear uma equiparação,
quer dizer, a pretensão era que se conferisse juridicidade à união homoafetiva
(situação fática) “para que eles possam sair do segredo, para que possam sair do
sigilo, para que possam vencer o ódio e a intolerância em nome da lei”.
Portanto, mesmo que outros tenham argumentado “que o § 3º do
artigo 226 da Carta da República remete tão-somente à união estável entre homem
e mulher, o que se poderia entender como silêncio eloquente do constituinte no
tocante à união entre pessoas de mesmo sexo”, como foi bem colocado pelo Min.
Marco Aurélio, a solução em uma situação como essa “independe do legislador,
porquanto decorre diretamente dos direitos fundamentais, em especial do direito
à dignidade da pessoa humana, sob a diretriz do artigo 226 e parágrafos da
Carta da República de 1988, no que permitiu a reformulação do conceito de
família”. Ademais, “a dignidade da vida requer a possibilidade de concretização
de metas e projetos”, por isso seria vedado ao Estado “obstar que os indivíduos
busquem a própria felicidade, a não ser em caso de violação ao direito de
outrem”, que não era o caso.
Dessa forma, percebe-se ser justo que, em certas decisões,
prevaleça o caráter contramajoritário dos direitos fundamentais mesmo diante de
uma opinião popular dominante, pois o direito é uma das dimensões do
conhecimento que dá ao sujeito sentimento de “auto-respeito”, de ver-se em
condições iguais. Diante disso, é bom que a atuação do Supremo sirva de exemplo
para os demais debates acerca dos conflitos sociais que envolvem a luta por
reconhecimento, a fim de que se reconheça a legitimidade dos valores
diferentes, o que deve proporcionar uma perspectiva de universalidade a qual
atue como elemento auxiliador na garantia da reciprocidade entre os indivíduos
e na tranquilidade de sua “auto-relação”.
Diogenes Spineli Soares Filho, 1º ano, Direito noturno
Nenhum comentário:
Postar um comentário