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quarta-feira, 22 de novembro de 2017

Direito e sexualidade


Em 2011, os ministros do Supremo Tribunal Federal debateram para saber se a convivência pública, duradoura e com o ânimo de formar família, por pessoas de sexo igual deveria ser admitida como entidade familiar à luz da Lei Maior, considerada a omissão legislativa. Em caso positivo, se caberia a aplicação do regime previsto no artigo 1.723 do Código Civil de 2002.

Ora, é precisa a importância do direito diante do horizonte moral da modernidade baseado em liberdade e igualdade. Afinal, constitui instrumento jurídico-político que iguala (em primeiro passo) os sujeitos, fazendo esmaecer os privilégios. Logo, desde já seria possível apontar a legitimidade da reivindicação dos casais homossexuais, contudo, primeiramente, examine-se os fatos: O índice de homicídios por homofobia (mais de cem homicídios anuais), como bem lembra o ministro Marco Aurélio, “é revelador”, pois  “18 milhões de cidadãos considerados de segunda categoria: pagam impostos, votam, sujeitam-se a normas legais, mas, ainda assim, são vítimas preferenciais de preconceitos, discriminações, insultos e chacotas, sem que lei específica a isso coíba”.

Sendo assim, segundo o ministro, “o aumento do número de pessoas envolvidas nas manifestações e nas organizações em prol da obtenção de visibilidade” e, portanto, dos benefícios já conquistados pelos homossexuais “faz pressupor um quadro de maior compreensão no futuro”. Tal fato, segundo Honneth, faz parte de uma dinâmica cumulativa de forças  para conquistar igualdade e liberdade de maneira cada vez mais ampla. Este engajamento em uma luta social por meios não violentos, como explica Honneth, tem a função de proporcionar uma “auto-relação” nova e positiva para restituir o “auto-respeito” dos membros dessa comunidade o qual é prejudicado diante da “vergonha social” por eles sofrida. Ou seja, como afirma a professora norte-americana Nancy Fraser, a diferenciação social entre heterossexuais e homossexuais está fundada em uma ordem de status social heteronormativa  a qual resulta em “considerar gays e lésbicas como outros desprezíveis aos quais falta não apenas reputação para participar integralmente da vida social, mas até mesmo o direito de existir”, uma realidade obviamente de, nos termos de Honneth, “desrespeito” e ausência de estima pelos pares.

É por isso que, dentro da ideologia de Honneth, poderíamos classificar a resistência e busca emancipatória – uma característica do tempo atual em grupos específicos– dos homoafetivos como consequência de uma lesão moral, que fere sua integridade psíquica já que, mesmo se constituindo a união homoafetiva uma realidade social, no caso debatido, limitava-se a liberdade de atuação do indivíduo através do não reconhecimento. Por conseguinte, o ministro Fux esclareceu na ocasião que os homoafetivos queriam pleitear uma equiparação, quer dizer, a pretensão era que se conferisse juridicidade à união homoafetiva (situação fática) “para que eles possam sair do segredo, para que possam sair do sigilo, para que possam vencer o ódio e a intolerância em nome da lei”.

Portanto, mesmo que outros tenham argumentado “que o § 3º do artigo 226 da Carta da República remete tão-somente à união estável entre homem e mulher, o que se poderia entender como silêncio eloquente do constituinte no tocante à união entre pessoas de mesmo sexo”, como foi bem colocado pelo Min. Marco Aurélio, a solução em uma situação como essa “independe do legislador, porquanto decorre diretamente dos direitos fundamentais, em especial do direito à dignidade da pessoa humana, sob a diretriz do artigo 226 e parágrafos da Carta da República de 1988, no que permitiu a reformulação do conceito de família”. Ademais, “a dignidade da vida requer a possibilidade de concretização de metas e projetos”, por isso seria vedado ao Estado “obstar que os indivíduos busquem a própria felicidade, a não ser em caso de violação ao direito de outrem”, que não era o caso.

Dessa forma, percebe-se ser justo que, em certas decisões, prevaleça o caráter contramajoritário dos direitos fundamentais mesmo diante de uma opinião popular dominante, pois o direito é uma das dimensões do conhecimento que dá ao sujeito sentimento de “auto-respeito”, de ver-se em condições iguais. Diante disso, é bom que a atuação do Supremo sirva de exemplo para os demais debates acerca dos conflitos sociais que envolvem a luta por reconhecimento, a fim de que se reconheça a legitimidade dos valores diferentes, o que deve proporcionar uma perspectiva de universalidade a qual atue como elemento auxiliador na garantia da reciprocidade entre os indivíduos e na tranquilidade de sua “auto-relação”.


Diogenes Spineli Soares Filho, 1º ano, Direito noturno

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