Caia fora, Estado, esse relacionamento não é de três: a união homoafetiva no Brasil.
Nesse último quinquênio, com a extrema polarização política, o debate sobre
diversos assuntos, muitos dos quais são verdadeiros tabus, é feito de maneira
intolerante, pobre e irracional, vinculado cegamente a um viés ideológico adotado;
sem as ideias e argumentos expostos passarem por um exame em relação à
coerência e à lógica. Com isso, abre-se facilmente margem para certos setores
da sociedade entrarem em contradição, é isso que ocorre com alguns dos autoproclamados
“conservadores”.
Determinadas parcelas conservadoras, principalmente após as recentes
polêmicas das exposições do MAM e Queermuseu, criticaram muito a atuação do
Estado para o fomento de certas ideias, que segundo eles, são de cunho pessoal
ou familiar, e não cabe a intervenção estatal para propagação delas, ainda mais
com dinheiro público. Principalmente quando fere os seus valores morais, assim,
impõe-se uma atuação mais “neutra” e desprovida de qualquer viés ideológico. Por
isso, sempre se mantiveram relutantes às políticas de promoção LGBT, bem como a
união homoafetiva, pois são uma afronta aos seus “bons costumes”.
Contudo, esses setores conservadores acabam contradizendo seus princípios
de negação à ingerência estatal quando eles mesmos querem se valer do aparelho
governamental para impor a perpetuação dos seus valores reacionários, e se
utilizarem dele para combater as ideias e comportamentos antagônicos; desse
modo, não percebem que eles mesmos estão enviesando o Estado ideologicamente e
interferindo na seara individual das pessoas, agindo de maneira hipócrita com
seu discurso de “neutralidade”, evocado somente para defender seus interesses.
A luta pelo reconhecimento da união homoafetiva foi muito mais do que uma
disputa ou contestação dos valores morais conservadores da sociedade, foi uma
luta para consagrar o direito à liberdade sexual de cada indivíduo, que se
insere na intimidade e na vida privada da pessoa, sendo algo que só lhe diz
respeito – tutelado pelo art. 5º, inciso X da Constituição –; bem como no livre planejamento familiar, sendo
protegido de qualquer forma coercitiva
por parte de instituições oficiais ou privadas, novamente com prescrição
constitucional – art. 226, parágrafo 7º – ambos pautados no princípio da
dignidade da pessoa humana, princípio fundamental da República e basilar do
sistema internacional de direitos humanos.
O filósofo Axel Honneth vai no âmago da problemática, elucidando-a muito
bem com a seguinte análise:
“O amor, como forma mais
elementar do reconhecimento, não contém experiências morais que possam levar
por si só a formações de conflitos sociais: [...] Apesar de que em toda relação
amorosa está inserida uma dimensão existencial de luta, os objetivos e desejos
ligados a isso não podem se tornar interesses públicos. Em contrapartida, as
formas de reconhecimento do direito e da estima social já representam um quadro
moral de conflitos sociais, porque dependem de critérios socialmente
generalizados, segundo o seu modo funcional inteiro.” (HONNETH, 2003, p.
256)
Portanto, a busca do espectro conservador da sociedade em delimitar as liberdades
sexuais, bem como a união homoafetiva, além de inconstitucional é hipócrita,
pois quer empregar o Estado para colimar seus valores, apesar de criticá-lo
quando é provocado para publicitar algumas questões de gênero. Acrescente-se
que tal atitude também chegar a ser típica de regimes nazi-fascistas, quando
tenta, por meio do aparelho estatal, impor somente uma única corrente de
pensamento. Sem contar que tais intolerâncias só geram o ódio, o debate
esdrúxulo, sem o exame de bons argumentos das diversas linhagens ideológicas e
rico de ideias; consequentemente fomentando a violência e a estagnação da
discussão de múltiplas pautas, que uma hora ou outra terão de ser debatidas,
com o risco de a legislação estar atrasada em relação a algum fato social. Por
fim, para ilustrar melhor, seguem os dizeres memoráveis de Voltaire, um
importante filósofo iluminista:
“Para superar o fanatismo, e
“diminuir o número de maníacos”, a melhor maneira era “submeter essa doença do
espírito ao regime da razão, que esclarece lenta, mas infalivelmente os homens.
Essa razão é suave, humana, inspira a indulgência, abafa a discórdia, fortalece
a virtude, torna agradável a obediência às leis, mais ainda do que a força é
capaz”
John R. Angelim Novais 1º Ano Direito - Noturno.
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