Ex-jogador de futebol e
comentarista Edmundo:
condenado em 1999, pelos homicídios culposos de três pessoas vitimadas em
atropelamento − ocorrido em 1995. Após 21 recursos, 12 anos após o acidente, a
prescrição impediu qualquer forma de punição.
Ex-senador Luís Estevão:
condenado por desviar 169 milhões da obra do TST-SP, em 1992; apresentara ao
longo do processo 35 recursos (26 deles apenas no STJ) e, somente com a
possibilidade de prisão em segunda instância, teve sua prisão decretada em 2016
– duas das penas já estavam tecnicamente prescritas e, em 2018, estelionato e
peculato também prescreveriam.
Estes casos ilustram
bem o sistema de recursos infindável do Direito penal brasileiro e direcionam o
debate, de pronto, à discussão quanto à possibilidade das prisões em segunda instância,
justamente em um contexto de busca por efetividade da jurisdição penal − em
fronte, sobretudo, da decisão das ADCs 43 e 44 pelo STF, de Outubro de 2016,
que firmou jurisprudência no sentido de que a execução da pena após condenação
em segunda instância não fere o princípio da presunção da inocência.
O debate mostra-se habituado
em dois momentos. O primeiro deles remete-se a um suposto excesso de
participação do Poder Judiciário, que poderia estar praticando o dito “ativismo
judicial”. Ora, o PEN e a AOB, por meio de ADCs, é que demandaram a concessão
da medida cautelar para suspender execuções antecipadas em segunda instância. O
STF, por sua vez, fez seu papel de − como assenta Barroso ao tratar da
judicialização – “velar pelas regras do
jogo democrático e pelos direitos fundamentais, funcionando com um fórum de
princípios”, já que é “o intérprete
final da Constituição”. Em miúdos: o guardião da constituição, “aquele que não desempenha uma atividade
puramente mecânica” – e, por isso, acaba não raramente (e inevitavelmente)
participando do processo de criação do Direito − foi provocado a deliberar
sobre o assunto prisões em segunda instância e naturalmente o fez – quer se
ache correta, ou não, a legítima decisão.
A partir deste último
quesito chega-se ao segundo e peremptório mote da discussão, que toca o mérito
da decisão em si. Para tal, faz-se cogente a ciência dos papéis típicos das
instâncias superiores, muitas vezes negligenciada em uma leiga discussão: STF e
STJ são responsáveis por uniformizar a interpretação da constituição, não lhes
cabendo analisar o fato ou mérito das ações avaliadas (função das primeiras
instâncias); sendo, portanto, os cumpridores basicamente da inquirição da
legalidade das referidas ações – informe-se aqui que a esmagadora maioria das
ações que chega a essas instâncias está, sim, de acordo com a legalidade, como
estipula Fachin em 98 ou 99%. Dito isto, mostra-se equivocado o juízo de que a
supressão de uma terceira instância estaria abduzindo a presunção da inocência de
um processo, uma vez que, além da análise dos fatos e provas não ultrapassarem
a segunda instância, como dito; certamente o constituinte não tivera na criação das
instâncias superiores a finalidade de conceder uma terceira ou quarta “chance”
para revisão de uma decisão da qual o réu não goste ou não esteja com ela
satisfeito – poderia tê-lo feito, especificando as instâncias superiores no Art.
5º, LXI, CF/88.
Nesse sentido, deve-se acrescentar
ainda que a presunção da inocência, como assevera Barroso em seu voto,
configura-se não em uma regra, mas em um princípio, sendo, portanto, passível
(e indispensável que assim seja) de ponderações. Em eventuais conflitos entre esses,
mostra-se aplicável, portanto, o chamado sopesamento, a fim de pesar ou afazer-se
qual deles deverá prevalecer. Aplicando-se à realidade, tem-se que um indivíduo
condenado em primeira instância, com a confirmação desta em segunda instância, por
um órgão de natureza colegiada; terá levado em conta a forte declaração acerca
de sua culpabilidade, permitindo-se assim a execução do acórdão penal anterior
ao julgamento de eventuais recursos especial ou extraordinário − que poderiam,
caso contrário, comprometer a efetividade da jurisdição penal, levando-se às já
exemplificadas prescrições e impunidade.
A discussão
quanto à prisão em segundo grau mostra-se muito acolá da pueril apreciação
normativa do “inocente até o transito em julgado”. Deve-se levar em conta a abundância
de possibilidades de recursos, que acaba por criar um sistema recursal caótico,
em que o crime parece compensar e torna impotentes os aplicadores das penas frente
aos poderosos e seus advogados-recursais. Têm-se, sobretudo, a cada vez maior
descrença da comunidade em relação à justiça e, por consequência temerosa, com
a própria democracia.
Dessa forma, um
posicionamento favorável à prisão a partir da condenação em segunda instância é
ser não a contra a ordem constitucional, mas contra os “Edmundos”, os “Luís
Estevãos” e os ditos “criminosos do colarinho branco”, que acabam por se alocar
acima das leis. É ser a favor que o Direito penal brasileiro deixe de “só prender menino pobre com 100g de
maconha”, como exalta Barroso. Permitir prisão antes do trânsito em julgado
é olhar a atual realidade desarmônica e afiançar o sopesamento − e, por decorrência,
equilíbrio entre os princípios da presunção de inocência e da efetividade da
jurisdição penal, tal como ocorre em países como Inglaterra, Estados Unidos,
Canadá, Alemanha, França, Portugal, Espanha e Argentina. Permitir prisão antes
do trânsito em julgado é garantir, sim, ampla defesa, total acesso a Habeas
Corpus e ainda a busca por uma reforma política para se evitar o “risco de se
morrer de cura” da judicialização; mas é garantir também, realisticamente, que as
elites ou “os providos de alta capacidade de defesa jurídica” sejam punidos sem
o escudo ou instrumento de fuga dos desmesurados recursos aventureiros e
infinitos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário