O céu estava ameaçadoramente
encoberto por nuvens negras. Ventos e trovoadas anunciavam uma
tempestade e questionavam quanto a um futuro incerto. Entre raios e
trovões, um bebê insignificante e dependente chorava
estridentemente, enclausurado em seu berço. Um mero “portador da
tradição”, inibido de qualquer autonomia e delegando aos outros
as soluções de seus problemas.
Após a eclosão de regimes
autoritários com exorbitantes violações de direitos humanos, a
humanidade se encontra em um período marcado por uma Justiça de
Transição democrática. A redemocratização brasileira, culminante
com a promulgação da Constituição de 1988, resulta em uma forte
alteração na atuação do Judiciário. No pós-positivismo, tem-se
uma demanda por justificação do Poder, por legitimidade, por razões
éticas e morais para que se obedeça ao poder nas sociedades
democráticas. Enquanto no positivismo, a obediência ao Direito é
algo natural, para o pós-positivismo trata-se de um movimento
histórico que deve ser justificado.
Com tal demanda por justificação,
evidenciamos no Brasil, a visibilidade dada às decisões judiciais
executadas sob o olhar implacável das câmeras de televisão,
contribuindo para transparência, para o controle social e até mesmo
para a própria democracia. Entretanto, sob essa ilusão democrática
e fortalecimento judiciário, é possível notar atos que vão além
das funções que lhe são atribuídas. De acordo com Kelsen, é o
magistrado quem detém a competência para dar o sentido específico
da norma quando a aplica ao caso concreto, executando uma
interpretação autêntica. Exato, uma interpretação! A atividade
cognitiva do juiz limitando-se ao conhecimento da validade da norma,
mas sendo livre, dentro dos limites da moldura do direito positivo,
para escolher conforme sua própria vontade, qual norma aplicar
dentro das várias possíveis, exercendo um ato de vontade
condicionado pelo Direito. Na prática, não é o que a dura
realidade tem nos mostrado.
As decisões judiciais têm ido
além, até mesmo de um ativismo judicial, configurando pura
arbitrariedade e característico voluntarismo. Tomemos por exemplo o
julgado referente à execução de pena após condenação em segunda
instância. O habeas corpus vem para zelar pela liberdade do
indivíduo contra arbitrariedades de autoridades competentes. Admitir
a execução da pena durante transito do julgado seria relativizar o
bem jurídico e o direito à liberdade perante arbitrariedades
coercitivas impostas pelo Estado desligado do legalmente estabelecido
e caracterizando puro ato de vontade, puro ativismo judicial, puro
voluntarismo. O enunciado normativo do art. 283 do Código de
Processo Penal é claro e não deixa dúvidas quanto à norma a que
se refere: “Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito
ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária
competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em
julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de
prisão temporária ou prisão preventiva”. Dispor contrariamente a
isso, não configura uma interpretação normativa, não configura o
exercício da função atribuída, mas mero ato voluntarista.
Trata-se de decidir porque se quer e porque se pode, de forma
completamente desligada do previsto pelo Direito. O que evidenciamos
hoje é a forte interferência do Judiciário, que além de julgar
ambiciona também legislar. Nossa crise vai muito além da economia.
Presenciamos forte crise de legitimidade e governabilidade, crise de
representatividade e de funcionalidade, crise institucional… e
nosso Judiciário crê que é sua função assumir as rédeas do
país.
Mas estamos em um Estado
Democrático de Direito, nossa Constituição limita o Poder e
assegura nossos direitos, o povo é soberano! E o que fazemos com
isso? Estamos choramingando e inertes, esperando que nossos pais
cheguem heroicos e solucionem para nós nossos problemas. Olhamos
para o céu e estamos amedrontados. A tempestade que chega é gigante
e suas consequências incertas, mas não queremos enfrentá-la.
Queremos que a enfrentem por nós. Uma sociedade infantilizada que se
constrói a partir do modelo paternalista do Estado e delega para o
Judiciário a busca pela justiça tão cobiçada. Eventos esporádicos
pressionam o Estado tendo na judicialização o reflexo de demandas
sociais e a esperança por um Direito de fato emancipatório, mas no
geral, a espontaneidade de ativismos judiciais atuando segundo
interesses próprios propiciam uma justiça seletiva e contribuem
para uma falsa ilusão democrática.
Chove forte. E continuará a
chover se tudo o que fizermos for continuar a chorar.
Abner Santana de Oliveira - 1º Ano, Direito. Noturno
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