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domingo, 29 de outubro de 2017

Bebê Chorão em Meio a Chuva, Raios e Trovões

    O céu estava ameaçadoramente encoberto por nuvens negras. Ventos e trovoadas anunciavam uma tempestade e questionavam quanto a um futuro incerto. Entre raios e trovões, um bebê insignificante e dependente chorava estridentemente, enclausurado em seu berço. Um mero “portador da tradição”, inibido de qualquer autonomia e delegando aos outros as soluções de seus problemas.
    Após a eclosão de regimes autoritários com exorbitantes violações de direitos humanos, a humanidade se encontra em um período marcado por uma Justiça de Transição democrática. A redemocratização brasileira, culminante com a promulgação da Constituição de 1988, resulta em uma forte alteração na atuação do Judiciário. No pós-positivismo, tem-se uma demanda por justificação do Poder, por legitimidade, por razões éticas e morais para que se obedeça ao poder nas sociedades democráticas. Enquanto no positivismo, a obediência ao Direito é algo natural, para o pós-positivismo trata-se de um movimento histórico que deve ser justificado.
    Com tal demanda por justificação, evidenciamos no Brasil, a visibilidade dada às decisões judiciais executadas sob o olhar implacável das câmeras de televisão, contribuindo para transparência, para o controle social e até mesmo para a própria democracia. Entretanto, sob essa ilusão democrática e fortalecimento judiciário, é possível notar atos que vão além das funções que lhe são atribuídas. De acordo com Kelsen, é o magistrado quem detém a competência para dar o sentido específico da norma quando a aplica ao caso concreto, executando uma interpretação autêntica. Exato, uma interpretação! A atividade cognitiva do juiz limitando-se ao conhecimento da validade da norma, mas sendo livre, dentro dos limites da moldura do direito positivo, para escolher conforme sua própria vontade, qual norma aplicar dentro das várias possíveis, exercendo um ato de vontade condicionado pelo Direito. Na prática, não é o que a dura realidade tem nos mostrado.
    As decisões judiciais têm ido além, até mesmo de um ativismo judicial, configurando pura arbitrariedade e característico voluntarismo. Tomemos por exemplo o julgado referente à execução de pena após condenação em segunda instância. O habeas corpus vem para zelar pela liberdade do indivíduo contra arbitrariedades de autoridades competentes. Admitir a execução da pena durante transito do julgado seria relativizar o bem jurídico e o direito à liberdade perante arbitrariedades coercitivas impostas pelo Estado desligado do legalmente estabelecido e caracterizando puro ato de vontade, puro ativismo judicial, puro voluntarismo. O enunciado normativo do art. 283 do Código de Processo Penal é claro e não deixa dúvidas quanto à norma a que se refere: “Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva”. Dispor contrariamente a isso, não configura uma interpretação normativa, não configura o exercício da função atribuída, mas mero ato voluntarista. Trata-se de decidir porque se quer e porque se pode, de forma completamente desligada do previsto pelo Direito. O que evidenciamos hoje é a forte interferência do Judiciário, que além de julgar ambiciona também legislar. Nossa crise vai muito além da economia. Presenciamos forte crise de legitimidade e governabilidade, crise de representatividade e de funcionalidade, crise institucional… e nosso Judiciário crê que é sua função assumir as rédeas do país.
    Mas estamos em um Estado Democrático de Direito, nossa Constituição limita o Poder e assegura nossos direitos, o povo é soberano! E o que fazemos com isso? Estamos choramingando e inertes, esperando que nossos pais cheguem heroicos e solucionem para nós nossos problemas. Olhamos para o céu e estamos amedrontados. A tempestade que chega é gigante e suas consequências incertas, mas não queremos enfrentá-la. Queremos que a enfrentem por nós. Uma sociedade infantilizada que se constrói a partir do modelo paternalista do Estado e delega para o Judiciário a busca pela justiça tão cobiçada. Eventos esporádicos pressionam o Estado tendo na judicialização o reflexo de demandas sociais e a esperança por um Direito de fato emancipatório, mas no geral, a espontaneidade de ativismos judiciais atuando segundo interesses próprios propiciam uma justiça seletiva e contribuem para uma falsa ilusão democrática.

    Chove forte. E continuará a chover se tudo o que fizermos for continuar a chorar.

Abner Santana de Oliveira - 1º Ano, Direito. Noturno

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