O
poder judiciário como contraponto ao avanço conservador no cenário
político-social brasileiro atual: o apelo à efetividade dos direitos
fundamentais e das políticas públicas
O ministro do Supremo Tribunal Federal Luís
Roberto Barroso assim conceitua a judicialização, com foco à sua ocorrência no
Brasil: é o fenômeno de transferência do exercício decisório quanto à questões
de ampla repercussão política ou social das instâncias tradicionais – o
Congresso Nacional e o Poder Executivo – para os órgãos do Poder Judiciário. Como
condicionamento histórico, Barroso aponta o avanço do neoliberalismo no período
pós 2a Guerra Mundial como contribuidor para a geração desse
fenômeno, tanto porque o modelo neoliberal implicita o afrouxamento das
estruturas de direitos sociais, com a perda do Estado garantidor, e também com
vistas ao estabelecimento das Constituições ocidentais como referenciais mais
sólidos e fortes do Direito, de modo a disputar espaço político com a
arbitrariedade do Poder Legislativo.
Ou
seja, judicialização trata-se do
apelo popular à juízes e tribunais para satisfazer a necessidade e a
expectativa de efetivação de direitos e de políticas públicas; uma vez que
parece evidente a crise de representatividade entre as camadas populares e o
Legislativo atualmente, como explicitado pela caracterização do Congresso
Nacional vigente como o mais conservador desde 1964 pelo Departamento
Intersindical de Acessoria Parlamentar (Diap), ainda que em um momento de
intensa demanda popular pela diversidade, pluralidade e renovação política.
A partir dessas considerações, é
possível compreender a agenda de atuação do Supremo Tribunal Federal nos
últimos anos, como é o caso das decisões em Julgados como o da pesquisa com
células tronco, em 2008, e da união homoafetiva, em 2012, a qual esse texto
dará enfoque, em que o Judiciário transformou em Ação Direta de
Inconstitucionalidade (ADI) a Arguição de Descumprimento de Preceito
Fundamental (ADPF) feita pelo Governador do Estado do Rio de Janeiro quanto ao
tratamento e amparo jurídico dado aos casais homoafetivos em decisões judiciais
que foram proferidas enquanto negando à essas uniões estáveis o mesmo
repertório de direitos garantidos e reconhecidos à uniões estáveis de casais
heterossexuais.
Este
é um claro exemplo da atuação do Judiciário como agente capaz de interferir nas
políticas públicas e integrar o ativismo pela efetividade dos direitos; atuação
essa que, caso criticada como prejudicial por “desequilíbrio da harmonização
dos poderes” (dentro do que é o conceito montesquieuano da tripartição),
encontra como defesa a própria atribuição constitucional dada ao Judiciário de
proteger os direitos fundamentais, tanto em aspecto negativo – garantindo a não
violação destes – quanto em aspecto positivo – garantindo sua efetiva
prestação, além de que a Teoria dos Freios e Contrapesos também salvaguarda o
controle mútuo entre os três poderes e, ainda, é legítimo ao judiciário
interferir em políticas públicas que visem garantir o “mínimo existencial” – de acordo com a ADPF 45/DF: “Ementa: arguição de descumprimento de
preceito fundamental. [...] Inoponibilidade do arbítrio estatal à efetivação
dos direitos sociais, econômicos e culturais. Caráter relativo da liberdade de
conformação do legislador. Considerações em torno da cláusula da ‘reserva do
possível’. Necessidade de preservação, em favor dos indivíduos, da integridade
e da intangibilidade do núcleo consubstanciador do ‘mínimo existencial’ [...]”.
Assim
sendo, destaca-se a defesa dos direitos fundamentais manifestada na decisão do
STF quanto à ADPF em questão, com base, principalmente, no direito fundamental
do indivíduo de liberdade para dispor da própria sexualidade (expressão da
autonomia da vontade particular), e na cláusula pétrea declarante do direito à
intimidade e à vida privada; bem como no Princípio da Segurança Jurídica, que
expressa a necessidade de se sanar a incerteza dos indivíduos integrantes de
uma relação homoafetiva (e também do resto da sociedade) quanto ao
reconhecimento de sua união em aspecto jurídico.
Apreende-se,
então, que a elevada judicialização é
um fenômeno reflexo da demanda popular por proteção, condicionado à
estruturação social brasileira que, na atualidade, ainda está introduzida em
uma lógica de baixa juridificação –
conceito de Habermas referente à articulação dos processos macrossocietários
com o sistema legal e o poder judiciário (SORJ, 2006, p. 102), isto é, o acesso
à justiça e sua resultante efetividade pelas camadas populares. Isso se soma ao
fato de que as minorias no Brasil (a população LGBT, mulheres e negros,
majoritariamente) enfrentam as barreiras políticas instituídas e sustentadas
pela Bancada Evangélica (popularmente, a “bancada BBB” – do boi, da bala e da
Bíblia) no Congresso, em um Estado que é constitucionalmente determinado como
laico. Faz-se do ativismo judicial, portanto, instrumento de primal
importância, enquanto não é revertido esse panorama sócio-político.
Bibliografia:
BARROSO, Luiz Roberto. Judicialização, ativismo judicial
e legitimidade democrática.
JUSBRASIL. É
possível a judicialização de políticas públicas? Veja o entendimento do STF. 2008.
Disponível em: <http://lfg.jusbrasil.com.br/noticias/153577/e-possivel-a-judicializacao-de-politicas-publicas-veja-o-entendimento-do-stf>
Acesso em: 23 nov. 2015.
SORJ, Bernardo. A
nova sociedade brasileira. 3a ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006.
SOUZA, Nivaldo.
Congresso eleito é o mais conservador desde 1964, afirma Diap. 2014. Disponível
em: <http://politica.estadao.com.br/noticias/eleicoes,congresso-eleito-e-o-mais-conservador-desde-1964-afirma-diap,1572528>
Acesso em: 23 nov. 2015.
Gabriella Di Piero
Turma XXXII - Direito (Diurno)
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