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segunda-feira, 23 de novembro de 2015

Judicialização da política e união homoafetiva


Em 2011, o Supremo Tribunal Federal julgou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade acerca do reconhecimento da união homoafetiva enquanto instituto jurídico. Ou seja: pediam que as famílias formadas por casais homossexuais fossem reconhecidas como famílias também perante a lei. O debate principal gira em torno do art.226, que, segundo a interpretação do Ministro Lewandowski, exemplifica formas de famílias: as famílias formadas pelo casamento entre homem e mulher, as famílias formadas por união estável entre homem e mulher e as famílias mononucleares, formada por um indivíduo e seus descendentes. Essas são citadas pela maior recorrência à época da Assembleia Constituinte, sendo as demais entidades familiares tipos implícitos incluídos no âmbito de abrangência do conceito amplo e indeterminado de família indicado no caput do artigo supracitado.
Segundo o resumo do Ministro Ayres Britto (relator do caso), “o não reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar pela ordem infraconstitucional brasileira priva os parceiros destas entidades de uma série de direitos patrimoniais e extrapatrimoniais”, o que lesa uma série de princípios fundamentais. Essa lesão decorre da conduta adotada pelos poderes públicos e, portanto, é passível de uma ADPF, visando entender que o art.226, §3º, não veda a união homoafetiva não tampouco é obstáculo intransponível para o reconhecimento dessas – considerando uma interpretação segundos os princípios gerais da República, que repudiam o preconceito e a exclusão social dos homossexuais. O artigo supracitado visava ser inclusivo, não devendo ser interpretado de forma exclusiva, sendo cabível uma interpretação analógica sobre ele para tutelar a entidade familiar formada por pessoas do mesmo gênero.
 Há uma série de princípios constitucionais que eram violados pelo não reconhecimento da união homoafetiva: o direito à igualdade, a autonomia da vontade, o direito à intimidade e à vida privada, a norma geral negativa, o direito à busca da felicidade e o princípio da dignidade da pessoa humana, elemento nuclear do nosso ordenamento jurídico. Dessa forma, a imposição de restrição não é justificada pela promoção de outros bens jurídicos – já que a união e formação de famílias não têm efeitos significativos na vida de outras pessoas e nem lhes restringe algum direito – o não reconhecimento das famílias formadas por casais homoafetivos é um mero preconceito e um autoritarismo moral.
Tendo em vista a violação de direitos e a postura perpetuadora de desigualdades dos poderes públicos, fica entendido que cabe ao judiciário apreciar o caso. Entretanto, segundo a doutrina tradicional, o papel do Supremo Tribunal Federal é o de interpretar leis, não cria-las.

É certo que o Judiciário não é mais, como queriam os pensadores liberais do século XVIII, mera bouche de la loi, acrítica e mecânica, admitindo-se uma certa criatividade dos juízes no processo de interpretação da lei, sobretudo quando estes se deparam com lacunas no ordenamento jurídico. Não se pode olvidar, porém, que a atuação exegética dos magistrados cessa diante de limites objetivos do direito posto. (LEWANDOWSKI, p.107).

Entramos aqui no debate acerca da judicialização da política e do ativismo judicial. O primeiro remete a fluidez da fronteira entre política e direito; já o segundo é uma escolha por um modo específico e proativo de interpretar a constituição, expandindo-a em sentido e alcance. Segundo Luís Roberto Barroso, as causas disso são a expansão do poder judiciário na democratização, a constitucionalização abrangente (tornar uma matéria constitucional é transformar política em direito) e o rígido sistema brasileiro de controle de constitucionalidade.
Além disso, há que se considerar a falta de representatividade no legislativo brasileiro, que é causa e consequência da judicialização: por um lado, o judiciário atua para satisfazer demandas não atendidas pelo parlamento; por outro, o deslizamento do judiciário sobre competências parlamentares corrobora para o comprometimento da cidadania e para a falta de representatividade, já que os deputados e senadores deixam de debater uma série de questões tidas como polêmicas por serem tratadas pelo judiciário. Assim, um seleto grupo de magistrados com cargo eletivo tem o poder de decidir e sobrepor-se a legisladores eleitos por milhões de cidadãos.
No caso da união homoafetiva, é fato que o Judiciário foi chamado e a se manifestar, uma vez que o “movimento LGBT” não tem espaço no parlamento; também é fato que há violação de direitos e princípios fundamentais constitucionais e que o Supremo Federal é o “guardião da Constituição”. Por outro lado, para que a matéria fosse perfeitamente regulamentada, deveria haver alterações na legislação infraconstitucional e emenda constitucional para o art.226.
O Congresso Nacional eleito em 2014 é predominantemente conservador; as demandas sociais encontram entraves declarados frente a parlamentares com interesses pessoais por trás – sejam eles religiosos, morais ou econômicos. Entretanto, um erro não justifica o outro e a confusão entre os três poderes (ainda que a atuação judiciária deslize predominantemente sobre o legislativo) compromete um dos pilares da democracia moderna (ainda que a judicialização da polícia seja uma tendência mundial do pós Segunda Guerra Mundial).
O debate acerca da união homoafetiva deixa claro não só a judicialização da política, mas também a judicialização da vida cotidiana. Evidencia também a jurisdição do poder público sobre a vida privada dos indivíduos e a imposição autoritária de preceitos morais e religiosos sobre minorias, o que não se justifica numa democracia ainda que sejam preceitos morais e religiosos da maioria. Numa nação verdadeiramente livre de preconceitos, com plena igualdade e respeito para com os gêneros, a matéria nem deveria ser alvo de tanta polêmica ou ao menos passível de decisão judicial: parece óbvio que como cidadãos comuns, pagadores de impostos, cumpridores de suas obrigações e sujeitos de direitos, os homossexuais tem o direito não só de serem reconhecidos como famílias e obterem união estável, mas de contraírem matrimônio.

Heloisa de Maia Areias
1º Ano de Direito – diurno.


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