No intuito de analisar a aplicação prática do direito sob a ótica da sociologia de Max Weber, considerando, assim, seus conceitos de racionalidade material e formal, em torno dos quais sua teoria sociológica gravita, procedo a uma breve descrição de um caso julgado. A esta segue-se a transposição das noções weberianas ao caso em questão, com a qual completo e finalizo a análise, concluindo-a posteriormente.
A tutela dos direitos ao procedimento cirúrgico de transgenitalização, bem como à mudança do prenome e do gênero sexual nos documentos de identidade - todos derivados de garantias fundamentais constitucionalmente asseguradas (liberdade, privacidade e identidade) e das próprias circunstâncias que sustentam um regime democrático e pluralista - foi concedida a uma mulher na cidade de Jales, São Paulo. A autora buscou a referida tutela alegando sentir-se infeliz, constrangida e mentalmente prejudicada pelo fato de ter, em certas ocasiões, que admitir a identidade masculina perante à sociedade, gênero esse que, segundo a agente, representava imperfeitamente suas opções e sua consciência. O termo do acórdão se dá com a declaração de deferência da tutela dos direitos em questão por parte do juiz, o qual julgou tal providência como sendo a mais justa e adequada ao caso em questão.
À luz dos relevantes conceitos weberianos de racionalidade material e formal, os quais podem ser aplicados com muita precisão no campo do direito, é possível constatar claramente, no caso citado, a forma segundo a qual a matriz positivo-abstrata do direito racionalmente formal amplia seu campo de aplicação em meio à sociedade. Isto se dá como consequência da agregação de concepções plurais e diversificadas que emergem no contexto jurídico a partir do emprego racionalmente prático do direito. De fato, noções como liberdade, igualdade, privacidade e identidade são concepções racionais tipicamente formais, principiológicas e positivadas. A aplicação de tais ideais em qualquer circunstância que seja, no entanto, somente se pretende formal, não verdadeiramente o sendo, por resvalar em preceitos éticos e culturais - caracterizando, assim, o direito racionalmente material. No caso de Jales, os conceitos de liberdade, identidade e privacidade partiram de sua precípua e substancial fonte formal para serem instrumentalizados segundo um ethos democrático e plural, que busca lograr a coexistência harmoniosa de múltiplas opções e convicções individuais.
Compreende-se, pois, a partir da elaboração de uma verificação como a estabelecida acima, na qual a teoria weberiana tão perfeitamente se encaixa em uma circunstância de última atualidade, toda a grandiosidade do pensamento de Max Weber, o qual nem um século, dois conflitos mundiais e uma revolução tecnológica foram suficientes para contestá-lo.
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