Na 19ª Parada Gay de
São Paulo¹,
realizada em junho de 2015, Viviany Beleboni, uma transexual brasileira, representou
claramente a problemática enfrentada pelo movimento transexual no Brasil. A
encenação de uma “crucificação” gerou críticas e inclusive foi um dos possíveis
motivos pelo qual Viviany foi agredida meses depois².
O estigma, o preconceito e o tabu em relação ao assunto acabam por precarizar o
diálogo de uma demanda social que reivindica reconhecimento e igualdade em
direitos, visto que, o direito deve ser geral, contemplando o dinamismo social,
como o próprio sociólogo Max Weber aponta.
No caso analisado em sala,
uma parte-autora solicitou a cirurgia de mudança de sexo e a alteração do registro
civil, modificando o nome e o gênero sexual. A parte requerente afirmou estar
inteiramente consciente em relação à cirurgia, visto que, realizou
acompanhamento psicológico, motivado pelos seus anseios pessoais, além de todo
o sentimento de não pertencimento ao corpo que possui. Ademais, é apresentado o
sofrimento físico e psicológico que sofreu, pois não reconhecia-se no corpo
masculino, assim necessitava da cirurgia para identificar-se, biológica e civilmente, uma mulher. Durante o
caso julgado, é apresentada toda a justificativa para a solicitação, o que em
uma perfeita utopia, a necessidade desse requerimento judicial não ocorreria,
visto que, as pessoas poderiam tornar-se o que bem entendem, escolhendo sua
identidade e gênero sexual livremente, dispondo de um amplo apoio governamental
e social. Nessa esfera, a transexualidade não seria mais tratada como uma
patologia, mas sim como um modo de viver, como foi apresentado na documentação.
Para tanto, o direito, como instrumento de alteração social, deveria refletir
uma realidade pura, convergindo com as demandas abrangentes, sendo este um tipo
ideal. No entanto, o direito objetivo, apresentado em Weber, não conflui com o
direito positivado, que não é neutro, sempre sendo esboçado em vista dos
anseios de um determinado grupo hegemônico. E embora a decisão tenha se pautado
em um racionalismo formal, a partir de uma solicitação material, a ação
judicial, nesse caso, é suscitada pela lacuna legislativa existente no país.
Assim, o direito posto não reflete o ideal de uma generalidade, refletindo
também em uma racionalidade material, já que essa generalidade, em tese, é
abstrata.
Direitos do pós Revolução Francesa, como o direito
à liberdade, acabam por dar encaminhamento para outros direitos, como o direito
à identidade, por exemplo. O transexual nada mais busca do que uma identidade formal
na qual se reconhece. Dessa forma, a cirurgia de transgenitarização poderia se relacionar
com o direito à liberdade, à identidade e ao princípio da dignidade da pessoa humana.
Com isso, pode-se verificar um entrave entre direitos fundamentais e os
direitos positivados, associando-os à Weber em sua colocação quanto ao direito
natural material e o direito natural formal, respectivamente. A divergência
entre eles decorre da necessidade de determinados grupos que, muitas vezes, não
corresponde ao que se encontra no código, visto que, o grupo que se encontra no
poder age de acordo com seus interesses. Contudo, o direito deve moldar-se com
as reivindicações de diversos grupos, como o do LGBT, por exemplo, que são
despertados pela ação da racionalidade do grupo dominante. Portanto, o direito,
deve sim, pautar-se pelas mudanças e demandas sociais, alcançando, mesmo sendo abstrata,
a universalidade, para que “crucificações”, sendo estas os julgamentos sob a
perspectiva de uma sociedade hierarquizada e estereotipada, não mais ocorram.
Desse modo, na cidade
de Jales, interior do estado de São Paulo, uma decisão foi tomada a partir de
um inteiro respeito aos direitos fundamentais humanos que a parte requerente dispõe
mesmo estes não estando positivados. Uma demanda humana, que vai muito além de
rótulos e positivações, conquistou caminho em uma sociedade que, muitas vezes,
parece desumana.
¹ CRAVEIRO, Pedro. Crucificação na Parada Gay é alvo de
polêmica com religiosos. Disponível
em < http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2015/06/1639631-atriz-que-encenou-crucificacao-na-parada-gay-recebe-ameacas.shtml> ; acesso em 15 de outubro de 2015, às 18:48.
² SÃO PAULO, Folha de. Transexual que encenou crucificação na Parada Gay
afirma ter sido agredida. Disponível
em <http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2015/08/1666504-transexual-que-encenou-crucificacao-na-parada-gay-afirma-ter-sido-agredida.shtml>
; acesso em 15 de outubro, às 18:52.
Lara Costa Andrade
1º ano – Direito Diurno
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