Fruto de um embate judicial, a desocupação do Pinheirinho, em 2012, leva-nos a questionar a visão hegeliana da universalidade e neutralidade do Direito. Tínhamos como réus cerca de seis mil pessoas negligenciadas pelo Estado, formando em um terreno irregular uma comunidade bem estruturada, reivindicando o seu direito à moradia, uma garantia prevista no texto constitucional e que é englobado pelo também constitucional princípio da dignidade da pessoa humana. Como autor tínhamos a massa falida da empresa Selecta, reivindicando a posse de sua área de 57 alqueires, tendo como proprietário Naji Nahas, notoriamente conhecido no país pela gestão fraudulenta de seus negócios.
Em sua decisão, a juíza Dra. Márcia Faria Mathey Loureiro alegava que mesmo se tratando de dois direitos com o mesmo nível hierárquico (direitos e garantias constitucionais), não cabia ao Judiciário intervir em questões relacionadas às políticas públicas do Executivo e do Legislativo. Em sentença proferida a favor da parte autora, ela diz:
“ É certo que o problema social que enfrentam os réus é motivo de preocupação nacional e merece ser visto com atenção, no entanto, não cabe ao judiciário, ao arrepio da lei e suprindo a obrigação e/ou omissão dos Poderes Executivo Federal, Estadual e Municipal, negar à massa falida o direito de dispor de sua propriedade entregando-a aos sem teto...”
A conduta da juíza mostra que, mesmo 170 anos após ser escrita, a “Crítica da Filosofia do Direito de Hegel”, de Karl Marx, mantem-se atual. Diante de sua decisão, podemos refutar a Universalidade do Direito defendida por Hegel, já que o direito de um indivíduo foi garantido em detrimento do direito de milhares de pessoas. Questiona-se também a neutralidade do Direito, que em casos como esse mais parece um instrumento de dominação engendrado pela sociedade burguesa para favorecer a sua manutenção.
Considerado um dos maiores juristas da história brasileira, Rui Barbosa certa vez proferiu: “Com a lei, pela lei e dentro da lei, porque fora da lei não há salvação. ”. Como agir, então, quando a própria lei negligencia e condena?
Vinicius Bottaro
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