Eu era pequena, não entendia
muito bem quando minha mãe dizia que nós éramos menos humanos do que aqueles
senhores de terno. Eu tinha mãos, pés e cabeça como eles. Papai não tinha
roupas tão bonitas, mamãe não passava batom vermelho como as senhoras elegantes
que apareciam no jornal do lado deles; mas éramos todos iguais, não éramos?
Não entendia porque mamãe e papai
iam gritar na porta do trabalho daqueles senhores... Acho que só queriam uma
casa bonita como a deles, ou aquelas comidas gostosas que eles deveriam comer.
Eu não entendia também porque nós não podíamos ter uma casa daquelas, e muito
menos porque estavam nos expulsando da nossa terra. Mamãe disse que era porque
a terra não era nossa, mas disse isso com um tom de ironia e desmentiu logo em
seguida - “Nós é que moramos aqui!”,
gritou ela. Perguntei para papai porque é que ele não conversava com os moços
que foram tirar a gente de lá, afinal eles já tinham casas e não precisavam da
nossa, não é?
Ele disse que conversava, que
gritava, e que o faria até que a voz do povo fosse forte o suficiente para ser
ouvida. Disse que sua luta era por direitos iguais em um país marcado pela
desigualdade. Repetiu várias vezes que quem estava no poder não era como a
gente, que eles só se importavam com si próprios, que para eles nós não
tínhamos dinheiro o suficiente para termos direitos – mas que tínhamos o
direito de tê-los, e precisávamos lutar por isso.
Eu não entendia muito bem, e
ainda não entendo. Agora sou mais velha, meu pai e minha mãe gritaram na porta
do trabalho dos senhores de terno até o último minuto. Estou longe de morar em
um lugar ideal com igualdade, mas meus pais me mostraram que o povo tem sim
voz, e que é preciso dilacerarmos as cordas vocais porque devemos exigir o que
nos é direito – assim como eles e outros tantos fizeram e fazem, melhorando
gradualmente esse cenário. Sinto que moro em um lugar onde é bonito dizer que
todos tem direitos iguais, mas é feio agir de tal forma. Sei que todos aqueles
políticos de terno e gravata acham que tem mais direito que eu e meus pais,
assim como toda a elite se vê diante das classes desprivilegiadas. O que eles
não entendem é que é exatamente por isso é que tem tanta gente vivendo sem
direito: porque eles não propiciam isso ao povo. Enquanto eles acham que graças
a eles encontra-se direito no país, a verdade é que o povo é que faz direito na
rua.
Júlia Costa Lourenço - Direito Diurno, Turma XXXI
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