A teoria de Émile Durkheim em relação às duas espécies de
solidariedade (mecânica e orgânica) acabou por não se consolidar perfeitamente.
Poucos são os casos de sociedades que, após atingirem uma complexidade como a
proposta por Durkheim, realmente apresentaram uma solidariedade orgânica. Casos
como a Noruega (que tem um sistema carcerário com mais de 80% de resocialização
dos indivíduos e aproximadamente 10% de reincidência apenas) são exceções.
É fácil ver como a grande maioria das (auto)denominadas
“sociedades modernas complexas” não conseguiram de forma alguma avançar na
questão de superar a solidariedade mecânica e atingir uma verdadeira
solidariedade orgânica. Aliás, nem é preciso buscar longe, na própria cidade de
Franca essa manutenção da solidariedade mecânica e do discurso “é bandido, tem
que morrer!” se faz amplamente visível.
O Conselho Municipal de Segurança de Franca, sendo uma
completa barbaridade, serve muito bem como exemplo. Os representantes de órgãos
da sociedade (que, segundo a própria autodefinição deles na reunião do dia 6 de
novembro, são as únicas pessoas que entendem mais do mundo do que os estudantes
universitários) que deveriam estar discutindo formas de aumentar a segurança e
de como tornar a aplicação do Direito na cidade algo mais restaurativo,
apresentaram discursos completamente rasos para defender medidas que ficam
muito bem expostas na frase “não tem jeito, mata”. Fora muito discutido na já
citada reunião do dia 6, por exemplo, o caráter de “defesa de bandido” que o
direito está tomando e, portanto, o Conselho deveria se mostrar, entre outras
coisas, contra o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente). Isso porque,
segundo eles, esse tal estatuto só serve para proteger esses “marginaizinhos”
de receber a punição correta (inclusive apanhar da polícia e de outros adultos
quaisquer), visto que, segundo pontuado por um ex-policial militar presente,
“um menino de 12, 13, 14, 15 ou 16 anos que está envolvido com o crime não tem
jeito, é caso perdido, tem que ir pra cadeia e ficar por lá”. Difícil achar um
ambiente em que a solidariedade se apresenta tão aos moldes da mecânica, mas
completamente fantasiado de orgânica, já que os presentes na reunião são tão
“conhecedores do mundo e estudiosos”.
Acredito não ser possível esperar muito em questão de avanço
de uma sociedade na parte de alcançar uma solidariedade orgânica quando seus
maiores representantes nas questões de segurança continuam dividindo o mundo em
“pessoas de bem” e “bandidos irrecuperáveis”, apresentando um discurso
completamente repressor e de exclusão. Ademais, fica difícil esperar algo
sabendo que esse discurso não está presente só ali na “alta cúpula”, mas se
apresenta também nos comentários absurdos vomitados por leitores do “Comércio
da Franca” todos os dias.
Note, no entanto, que o foco da minha argumentação se fez
sobre o município de Franca, o qual contém aproximadamente 300.000 habitantes,
mas esse foco poderia ser baseado em todo o território nacional ou até mesmo
mundial, apontando situações grotescas que ocorrem diariamente como se fossem situações
normais, como o massacre de Israel contra a Palestina, as baboseiras ditas a
cada semana na revista VEJA ou a “triunfante” volta do partido ARENA ao cenário
nacional. Me intriga a opinião que Durkheim teria ao ver toda a conjuntura
atual.
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