Aos 14 anos, órfão de mãe e criado pela avó, Jonas sabe
bem o que é trabalhar. Sua mãe morreu quando ele tinha 8 anos, e como era abandonado
pelo pai, o qual ele mal conhecia e se restringia apenas a receber os valores
mensais de uma pensão miserável, acabou sendo criado pela sua avó, que era solteira
porque seu marido a abandonara quando engravidou da mãe de Jonas. Pois bem. Aí
vai a história de um garoto iluminado que nasceu no país errado.
Desde antes da morte de sua mãe, Jonas já apresentava
traços de um grande dom: era um ótimo desenhista. Quando novo já desenhava
cenas e dominava bem as noções de sombra, espaço e toda uma técnica que nunca
fora estudada. Sua escola não lhe dava o mínimo necessário para que ele pudesse
ter uma carreira acadêmica. Jonas sabia que se quisesse sair do meio do Bartira,
no meio da Zona Leste de São Paulo, não poderia contar com o apoio de sua
escola.
Onde é que Jonas mora ? Afinal, qual a probabilidade de
que em Bartira, no meio da Zona Leste de São Paulo, onde os professores recebem
migalhas para dar uma aula, e o saneamento básico é precário, Jonas tenha ao
menos o mínimo necessário para uma formação satisfatória ? Pois bem. Mas Jonas
era esperto. Na adolescência ele resolveu investir no seu dom. Resolveu fazer
tatuagens, mas para isso precisava fazer um curso e comprar os materiais
específicos. Jonas precisava de uns 2 mil reais, que sua avó jamais conseguiria
arranjar tendo em vista que ganhava metade de um salário mínimo por mês do
Estado. Jonas ganhava um salário mínimo trabalhando 10 horas por dia num
restaurante fast-food. Jonas só queria o necessário. Mas as coisas pareciam melhorar. Jonas recebera uma
oportunidade...
Na rua onde morava, havia tráfico de drogas diariamente.
Recebeu a oportunidade de enviar certa quantidade de droga a um consumidor e
recebeu por isso 100 reais. Num simples gesto destes, em pouco tempo, ganhou o
que ele ganharia em 50 horas de trabalho pesado na lanchonete. E aos poucos foi
juntando dinheiro que ele usaria para seu ofício. Mas, como pode-se prever, um dia
o azar teve sorte, e Jonas foi parar numa penitenciária, condenado a 5 anos de
prisão.
Na prisão, o garoto de 18 anos dividia sua cela de uns
mesquinhos metros quadrados projetados para 5 pessoas com outros 15 rapazes,
presos pelas mais diferentes barbáries. O ambiente insalubre, a falta de
higiene; a vida do garoto fora transformada da noite para o dia. Era uma
esperança que morrera. E Jonas não era o único. Na prisão, outros como ele
pensavam que absurdo era a desigualdade e como eles eram tratados como lixos
sociais; como eram desprezados e jogados como se não tivessem valores ou dons.
E pensavam em quão grotesco é o sistema penal e carcerário do Brasil: eles
queriam melhores condições sociais. Queriam o necessário. Se organizaram numa época propícia, e
montaram um contra ataque.
O ataque na verdade era uma defesa. Um instinto de
vingança de eliminar o que é mau. Reprimiam aqueles que os reprimiam. Parecia
uma guerra de repressão. Assim, membros de uma determinada facção reprimiam
membros do executivo do Estado, e estes, não com menos violência, reprimiam a
facção. Mas há de se analisar duas visões distintas. A primeira é a daquele que
tem um irmão encarcerado e sabe bem o que é reclamar por melhores condições
sociais; a segunda é a do Estado, que tem função constitucional de promover
melhor igualdade e tratar desigualmente aquele que é desigualmente oprimido. E
a mídia, numa linha totalmente tendenciosa, faz com que a opinião que gire é de
que o Estado dá muita proteção ao bandido. Monta fotos em que a impressão
aparente é de que o cidadão preso tem uma comida de excelência quando comparada
com uma merenda escolar. E dessa forma, totalmente surreal, forma-se a opinião
pública de que o bandido além de ser um mau, gera custos. Bom seria se ele
estivesse morto. E daí pouco importa se para que ele tenha que morrer, morra
também toda uma comunidade de gente carente. Essa grave ameaça, a busca por
igualdade social, esse temor irreversível cuja única solução aparente é a
morte, deve ser extinta sob pena de acabar com a nossa solidariedade mecânica.
Vamos eliminar esse cidadão. Jonas merece morrer. E sua morte fora decretada
humilhantemente pelo Estado... O cidadão aprova.
Mas apesar de sua morte, decretada por aqueles que
acreditam em valores e crenças religiosas, Jonas está vivo em espírito. Pelo
menos é o que se pode deduzir a partir daqueles que acreditam na ordem
religiosa e decretaram o assassinato do jovem. Bom. Na opinião destes,
provavelmente Jonas está no Inferno. E como se pode deduzir a partir da ideia de espírito infernal, Jonas provavelmente continuará a infernizar a vida daquele
que quer explorar. E esse mau, essa busca pela igualdade social, a busca pelo necessário, será
espiritualmente transferida de volta para a comunidade de Bartira. Não adianta
matar. E só que se procura é o necessário. Somente o necessário...
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