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segunda-feira, 24 de março de 2025

Maria

 Seus olhos se abrem metodicamente e Maria não faz questão de olhar o visor do relógio que a desperta para saber que são 05:45. Cansada, a mulher se levanta em silêncio para não acordar o marido, trabalhador e honesto. Toma um banho rápido para se livrar da exaustão e vai para a cozinha preparar o café da manhã para seus três filhos, frutos de seu casamento precoce.

Café feito, ela acorda as crianças e as arruma para a escola, enquanto o marido ainda cheira álcool da noite anterior. Provavelmente fede assim desde a tarde retrasada, ou desde o começo do casamento... ela não saberia dizer. Enquanto ele se veste, ignorando propositalmente o olhar de sua esposa -como faz sempre que não precisa aliviar-se da tensão do dia- ela pede que retorne ao lar mais cedo naquele dia. Ele nega. No fundo, ambos sabem que sua súplica se resume em seu desejo de não traída mais uma vez.

O marido sai para o trabalho e aproveita a viagem para levar seus pirralhos à escola. Sozinha em seu chamado lar, habitualmente passa um pano no chão da casa enquanto seus pensamentos vagam para as conversas que tinha com sua mãe quando ainda viva sobre sua função de servir ao esposo. Pelos filhos que nem sempre almejou, pela casa que ele financiou, pela comida que seu cônjuge traz a mesa, pela família! Ela propositalmente evita olhar-se no espelho quando passa por este durante a limpeza, porque o vidro reflete uma mulher cansada, machucada e abusada e não Maria, que outrora fora tão inteligente e vívida.

A mulher não deixa de lembrar de uma antiga amiga sua que cometeu a burrada, em seu ponto de vista, de desistir de sua família por não aguentar alguns tapas. Nunca mais ouviu falar dela, deve estar morando nas ruas sem casa, ou passando de mão em mão como uma prostituta- assim como toda mulher divorciada.

Seus filhos retornam à casa, tomam banho, jantam e vão para a cama. Ela desiste de esperar o marido chegar, então prepara uma marmita para ele quando retornasse e vai dormir. No dia seguinte, Maria não faz questão de olhar o visor do relógio que a desperta para saber que são 05:45.

A "imaginação sociológica" refere-se à conscientização sobre a relação entre o indivíduo e a sociedade mais ampla, permitindo a conexão entre realidades e interesses em disputa. Essa compreensão, que vai além do conhecimento formal de sociologia, ajuda as pessoas a perceberem as ligações entre suas vidas pessoais e o contexto social mais amplo. Mills, ainda, enfatiza que um aspecto fundamental dessa imaginação é a capacidade de observar a sociedade de forma distanciada, em vez de se limitar às experiências pessoais e pré-concepções culturais. Dessa forma, o caso de Maria não deve ser entendido como um caso isolado quando se trata de um tema público de maior amplitude. O olhar sob Maria deve, portanto, entendê-la como não apenas um indivíduo, mas analisar sua história, a biografia e a estrutura social inserida.

Anna Lívia Izidoro Ferreira; 1° Direito Matutino

Um comentário:

  1. E o que é que Maria precisa fazer ou compreender, Anna? Quem é Maria? E o que a sociedade faz e fez com Maria? Um abraço, Alexandre.

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