Seus olhos se abrem metodicamente e Maria não faz questão de olhar o visor do relógio que a desperta para saber que são 05:45. Cansada, a mulher se levanta em silêncio para não acordar o marido, trabalhador e honesto. Toma um banho rápido para se livrar da exaustão e vai para a cozinha preparar o café da manhã para seus três filhos, frutos de seu casamento precoce.
Café feito, ela acorda as crianças e as arruma para a
escola, enquanto o marido ainda cheira álcool da noite anterior. Provavelmente
fede assim desde a tarde retrasada, ou desde o começo do casamento... ela não
saberia dizer. Enquanto ele se veste, ignorando propositalmente o olhar de sua
esposa -como faz sempre que não precisa aliviar-se da tensão do dia- ela pede
que retorne ao lar mais cedo naquele dia. Ele nega. No fundo, ambos sabem que
sua súplica se resume em seu desejo de não traída mais uma vez.
O marido sai para o trabalho e aproveita a viagem para levar
seus pirralhos à escola. Sozinha em seu chamado lar, habitualmente passa um
pano no chão da casa enquanto seus pensamentos vagam para as conversas que
tinha com sua mãe quando ainda viva sobre sua função de servir ao esposo. Pelos
filhos que nem sempre almejou, pela casa que ele financiou, pela comida que seu
cônjuge traz a mesa, pela família! Ela propositalmente evita olhar-se no
espelho quando passa por este durante a limpeza, porque o vidro reflete uma
mulher cansada, machucada e abusada e não Maria, que outrora fora tão
inteligente e vívida.
A mulher não deixa de lembrar de uma antiga amiga sua que
cometeu a burrada, em seu ponto de vista, de desistir de sua família por não
aguentar alguns tapas. Nunca mais ouviu falar dela, deve estar morando nas ruas
sem casa, ou passando de mão em mão como uma prostituta- assim como toda mulher
divorciada.
Seus filhos retornam à casa, tomam banho, jantam e vão para
a cama. Ela desiste de esperar o marido chegar, então prepara uma marmita para
ele quando retornasse e vai dormir. No dia seguinte, Maria não faz questão de
olhar o visor do relógio que a desperta para saber que são 05:45.
A "imaginação sociológica" refere-se à
conscientização sobre a relação entre o indivíduo e a sociedade mais ampla,
permitindo a conexão entre realidades e interesses em disputa. Essa
compreensão, que vai além do conhecimento formal de sociologia, ajuda as
pessoas a perceberem as ligações entre suas vidas pessoais e o contexto social
mais amplo. Mills, ainda, enfatiza que um aspecto fundamental dessa imaginação
é a capacidade de observar a sociedade de forma distanciada, em vez de se
limitar às experiências pessoais e pré-concepções culturais. Dessa forma, o
caso de Maria não deve ser entendido como um caso isolado quando se trata de um
tema público de maior amplitude. O olhar sob Maria deve, portanto, entendê-la como
não apenas um indivíduo, mas analisar sua história, a biografia e a estrutura
social inserida.
Anna Lívia Izidoro Ferreira; 1° Direito Matutino
E o que é que Maria precisa fazer ou compreender, Anna? Quem é Maria? E o que a sociedade faz e fez com Maria? Um abraço, Alexandre.
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