Na obra “Memórias da plantação”, Grada Kilomba conceitua a noção de “Outridade”, termo utilizado para representar o mecanismo de dominação que classifica pessoas negras como “os outros” perante a sociedade, às margens de uma lógica social branca que se denomina “nós”. Uma dicotomia entre “nós” e “eles”, os outros. Nesse sentido, tal conceito pode ser explicado à luz do pensamento de Mills pois, para ele, os indivíduos e suas perspectivas são limitados por órbitas pessoais, a exemplo de famílias, trabalho, religião e país. Dessa maneira, uma vez que a órbita branca posiciona-se como dominante nas relações de poder sociais, por meio da opressão -principalmente por intermédio da escravidão africana-, há o estabelecimento, portanto, da hierarquia mencionada anteriormente e de uma estrutura de preconceito racial.
Kilomba, para representar o racismo que permeia a sociedade atual, menciona a exclusão de pessoas negras do ambiente acadêmico e utiliza o princípio da outridade ao afirmar que “eles têm fatos / nós temos opiniões; eles têm conhecimento / nós temos experiência”, citação que representa falas de desvalorização da criação científica de pessoas negras que escutou nesse ambiente, que é, em suas palavras, branco. A percepção de Wright Mills a respeito de as bolhas sociais privadas embasarem o posicionamento racial do indivíduo pode ser percebida também na obra “O período de uma história única” de Chimamanda Adichie, autora africana. No texto, a autora aborda como as histórias únicas, ou seja, percepções baseadas nos núcleos e nas experiências individuais das pessoas, propagam preconceitos, de forma similar ao exposto por Mills. Ademais, observa-se que o racismo descrito por Kilomba e por Adichie permeia a contemporaneidade, como em casos recorrentes de preconceito racial na esfera do futebol, em que jogadores negros são vaiados e atacados durante partidas, a exemplo do jogador Vinícius Jr.
Adiante em sua obra, Grada Kilomba diz que “O conhecimento é colonizado”. Colonizado? Sim. Avaliado e percebido por olhos brancos, o conhecimento do sujeito negro recebe tratamento similar aos indígenas e africanos da colonização. O conhecimento é definido como bom ou ruim a partir de uma ótica externa, que se impõe. Citando Irmingard Staeuble, “o colonialismo não apenas significou a imposição da autoridade ocidental sobre terras indígena, modos indígenas [...] , mas também a imposição da autoridade ocidental sobre todos os aspectos dos saberes, línguas e culturas indígenas” de modo que é necessário descolonizar, para Grada Kilomba, o saber. Nesse sentido, tal tópico pode ser expandido para pensadores indígenas que, assim como Chimamanda Adichie, possuem semelhanças com Wright Mills. Segundo o filósofo contemporâneo indígena Ailton Krenak, a noção de “humanidade única” é causadora de segregações e violências na sociedade, afetando, inclusive, o meio ambiente. Dessa forma, a humanidade única é a percepção de que a humanidade branca é a única, e deve estar acima de outras, similarmente à uma órbita privada.
Portanto, tendo em vista que o racismo permeia a sociedade atual -como exemplificado ao longo do texto- e que diversos autores afetados por essa violência atribuem sua causa a pensamentos similares ao do sociólogo Wright Mills, o método deste autor, a imaginação sociológica, é uma forma viável de combater essa assimetria de poderes. A imaginação sociológica consiste na compreensão consciente do contexto histórico vivenciado, de forma ampla, por parte do indivíduo, para, então, romper com convicções privadas. Através desse recurso, o homem torna-se menos limitado. Para Chimamanda, Krenak e Mills, uma grande causa do racismo é a perspectiva privada dos indivíduos que, imersos em uma sociedade racialmente hierarquizada e segregadora, são incapazes de vislumbrar diferentes horizontes e perpetuam preconceitos. Desse modo, a imaginação sociológica proposto por Mills apresenta uma maneira de combater tal problema.
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