Total de visualizações de página (desde out/2009)

segunda-feira, 20 de junho de 2022

Uma análise da realidade sob a percepção de Marx, Engels e referências artísticas.

“Subiu a construção como se fosse máquina 
Ergueu no patamar quatro paredes sólidas 
Tijolo com tijolo num desenho mágico 
Seus olhos embotados de cimento e lágrima” 


Não há trecho melhor para iniciar qualquer discussão sobre Karl Marx e Engels do que essa estrofe da música “Construção” de Chico Buarque. Tal trecho mostra a exploração do trabalhador, que trabalhava como se fosse máquina, de modo desumano. A mesma situação é apontada por Marx, uma vez que o sociólogo aponta que o trabalho na sociedade capitalista é caracterizado pelo desprazer, pelo seu carater exploratório e pela alienação, sempre visando o lucro das classes dominantes, de forma que o proletariado vende sua força de trabalho, a qual é responsável por tudo que é produzido e não chega nem perto de receber a quantidade equivalente de rendimentos, ou seja, é aplicado o conceito de mais-valia de Marx, que representa a diferença entre o salário que é pago e o valor que é produzido pelo trabalho. Em vista dos aspectos apresentados, faz- se necessário a análise de um dos trechos de “Tempo Perdido”, canção escrita por Renato Russo. 

 

"Todos os dias quando acordo  

Não tenho mais 
O tempo que passou” 


O trecho nos leva a uma dura reflexão, afinal, quando somos os proletariados, para termos as condições materiais e assim garantir nossa sobrevivência, vendemos mais que nossa força de trabalho, vendemos também nosso tempo, nossa saúde e nossa integridade. Em poucas palavras, vendemos recursos finitos em que seu esgotamento significa o fim da vida para termos direito a uma vida digna, irônico, não é? Tal reflexão se torna ainda mais árdua quando pensamos em pessoas que trabalham mais que o necessário a fim de colecionar bens materiais e assim ter a concepção de “vida ganha”. Por fim, caro leitor, te deixo os seguintes questionamentos: Quanto vale uma hora do seu tempo? Caso a morte te concedesse uma última hora de vida antes do fim, quanto você pagaria por uma hora do seu tempo? Vale a pena perder a vida tentando “ganha-la”? 

A ideia de “ganhar” a vida está atrelada a ideia de possuir uma série de aquisições materiais, possuir um carro do ano, celular da moda, vestir aquilo que é socialmente aceito, utilizar diversas coisas não por gosto ou preferência, mas sim para manter o status, não apenas para a manutenção do ego, mas também, porque as pessoas te tratam de acordo com o que você possui e não o que você de fato é. Tal fenômeno é explicado por Marx e Engels através do capitalismo, para eles as relações socias são seriamente comprometidas pelo sistema capitalista e as pessoas enxergam as outras como objeto ou mercadoria. Essa realidade é retratada no poema de Carlos Drummond de Andrade “Eu, Etiqueta “, nessa obra o eu-lírico retrata que está o tempo todo estampando marcas e logotipos de coisas que ele nem conhece, servindo de vitrine, de anúncio ambulante e que mesmo estando na moda, isso lhe causa agonia, uma vez que se sente como quem perdeu sua individualidade e está exatamente como os outros, já deixou de ser um homem, agora se tornou uma “coisa”. 


“Em minha calça está grudado um nome 
que não é meu de batismo ou de cartório, 
um nome... estranho. 

(….........) 

Meu lenço, meu relógio, meu chaveiro, 
minha gravata e cinto e escova e pente, 
meu copo, minha xícara, 
minha toalha de banho e sabonete, 
meu isso, meu aquilo, 
desde a cabeça ao bico dos sapatos, 
são mensagens, 
letras falantes, 
gritos visuais, 

É duro andar na moda, ainda que a moda 
seja negar minha identidade 

(….........) 

Por me ostentar assim, tão orgulhoso 
de ser não eu, mas artigo industrial, 
peço que meu nome retifiquem. 
Já não me convém o título de homem. 
Meu nome novo é coisa. 
Eu sou a coisa, coisamente.” 


Em relação ao verbo “coisificar”, faz-se indispensável discutir também sobre a “coisificação” do trabalhador, uma vez que no livro “O capital”, Marx afirma que no capitalismo, os bens materiais passam a ser fetichizados e vangloriados,conforme já vimos acima, entretanto, o proletariado, por sua vez, perde seu valor de ser humano e passa a ser visto apenas como mero instrumento de trabalho para gerar lucro, sendo, então, “coisificado”. Peguemos, como exemplo, outro trecho da música “Construção”, mas, dessa vez o trecho final da história retratada: 


“E tropeçou no céu como se fosse um bêbado 
E flutuou no ar como se fosse um pássaro 
E se acabou no chão feito um pacote flácido 
Agonizou no meio do passeio público 
Morreu na contramão atrapalhando o tráfego” 


Infelizmente, esse trecho retrata o quão desprezível se tornou a vida do trabalhador, o quão banal foi considerado a situação, o evento não choca, não causa preocupação tão pouco comoção. O trabalhador é considerado como um objeto, como uma coisa que pode ser facilmente substituída por outra que irá desempenhar a mesma função, a única preocupação aparente é com tráfego que está sendo atrapalhado graças ao corpo, já sem vida, do trabalhador que está na contramão. Dessa forma, é possível perceber da forma mais dolorosa possível a “coisificação” do trabalhador e a insensibilidade das pessoas umas com as outras. Tal insensibilidade está presente principalmente na burguesia quando é para com as classes que não são dominantes, conforme de denuncia Cazuza em sua canção “Burguesia”: 


“A burguesia não repara na dor 
Da vendedora de chicletes 
A burguesia só olha pra si 
A burguesia só olha pra si” 


Por fim, Marx e Engels afirmam que o Estado, apesar da visão da sociedade de que ele serve para garantir o bem comum, a democracia, a garantia dos direitos fundamentais e o interesse público acima do privado, atua para manter a sociedade capitalista e os respectivos interesses de quem detêm os meios de produção. Desse modo, a perspectiva de que o Estado é uma representação “universal” do interesse coletivo não passa de uma ilusão. O mesmo ocorre com o Direito, Marx quebra a visão idealista sobre o Direito e afirma que o Direito não provém da concepção do que é mais justo e sim da necessidade das relações capitalistas, por exemplo, o escravagismo é considerado inaceitável para a lei, mas, a exploração do trabalhador desde de que exposta em contratos é aceitável, legal e justa. 


“A Justiça não é cega, ela escolhe um lado que quer ver. Ela está quase sempre a serviço do Estado, dos interesses dos detentores de capital e de poder.  “(CARNEIRA, 2017) 


Anny Barbosa-1º semestre de Direito Noturno.

Nenhum comentário:

Postar um comentário