Em um contexto em que a igualdade formal, tão reverenciada nas grandes revoluções burguesas, começa a ser alvo de críticas e que se coloca em relevo a sua insuficiência no que tange sua capacidade de se materializar e atingir todas as esferas sociais, grupos historicamente marginalizados se reúnem em movimentos para lutar contra as desigualdades reinantes dentro desse panorama de exclusões abissais que bloqueiam as fronteiras do progresso. Um dos exemplos mais marcantes é o Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST), que representa um dos mais importantes movimentos sociais em busca da reforma agrária, reivindicando uma distribuição mais equitativa das terras em um dos países mais desiguais em relação a esta questão.
Uma das estratégias utilizadas por esse movimento se resume nas ocupações coletivas de latifúndios improdutivos, que deixaram de cumprir sua função social. Eles também se apoiam em estratégias jurídicas, recorrendo aos tribunais, no entanto, este também é um dos caminhos utilizados pelos grandes latifundiários como forma de reação aos membros e líderes do MST, o que pode ser exemplificado no agravo de instrumento interposto por Plínio Formighieri e Valéria Dreyer Formighieri contra a decisão judicial que não acatou a liminar reintegratória. Os agravantes sustentavam que sua propriedade havia sido invadida pelos integrantes do MST e requeriam a reintegração de posse, defendendo que neste caso não era pertinente uma discussão a respeito do cumprimento da função social da propriedade, uma vez que ela era produtiva.
Tal argumento, aceito pelo desembargador favorável ao agravo, assim como os demais colocados em seu voto, imprimem a ideia ilusória de um direito igualitário que deve ser cumprido por todos, que a lei é para todos e ninguém pode passar por cima dela, ou seja, se os integrantes do MST desejam a desapropriação da fazenda para fins de reforma agrária, que observem os devidos trâmites legais, que obedeçam a legislação vigente no País, já que não é " desrespeitando as leis que eles alcançarão seus fins". A lei, nesta perspectiva que naturaliza as diferenças e nega a existência de um abismo entre os sujeitos sociais, deve abranger todos de maneira idêntica. Mas será que são realmente iguais? Sara Araújo, ao questionar essa suposta igualdade, busca expor as exclusões abissais impostas por um um projeto de modernidade que tenta transformar tudo em um reflexo do norte, um norte cultural, social, das mentalidades, por meio de uma razão metonímica que toma a parte pelo todo, vendendo a noção de um direito realmente igualitário, legítimo, mas que mostra sua condição de insuficiência na produção de condições mínimas de sua sobrevivência.
É necessário, portanto, reconhecer a abissalidade entre os diferentes atores sociais, pensar o direito além de uma perspectiva exclusivamente moderna, não como uma crítica à modernidade, mas à modernidade baseada no norte, que estabelece uma visão única do direito, da igualdade, da liberdade. A decisão judicial a favor do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra demonstra que os tribunais também podem atuar de modo a beneficiar as classes excluídos e oprimidas, se comprometendo com a justiça social e contribuindo para a diminuição de determinados privilégios gozados pelas classes dominantes, oferecendo visibilidade e existência à parte mais desfavorecida, em busca de uma igualdade material para além da meramente formal.
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