Em 2001, o Tribunal de
Justiça -RS, recebeu um recurso de Plínio Formiguieri e Valéria D. Formighieri,
a respeito de uma reintegração de posse da Fazenda Primavera negada pelo então
Tribunal, contra Loivo Dal Agnoll e outros indivíduos -pertencentes ao Movimento
Sem Terra (MST)- vencedores do processo em que declarava o não cumprimento da função
social da terra, por parte dos proprietários. Esse argumento está embasado na
questão de a região, por mais produtiva que fosse avaliada por aqueles que possuíam
a propriedade, estava sem uso. Nesse sentido, é possível depreender a contraposição
da ecologia dos saberes frente a essa requisição negada, quando relacionado com
a autora Sara Araújo, em seu texto sobre essa separação entre um direito do
Norte e do Sul.
A comparação realizada pela
Araújo destaca que o direito dominante no mundo contém uma ideologia do Norte,
ou seja, países que compreendem que o seu entendimento das normas jurídicas
deve ser estabelecido como parâmetro do que é certo e errado no direito, como
forma de padronização dessa ciência. No caso, é perceptível que a predominância
desse tipo de interpretação traz à tona uma escolha de defender-se a propriedade
por influência de um entendimento capitalista e burguês do valor econômico da
terra.
Contudo, verifica-se uma
contradição a respeito do recurso executado por esses donos da propriedade, em
questão na necessidade de revisão da justiça em relação a reintegração de posse,
visto que, como bem cita Desembargador
Carlos Rafael dos Santos Junior em seu voto, o artigo 5º da Constituição
Federal destaca que todos os homens e mulheres são iguais perante o ordenamento
jurídico, sendo que incisos desse artigo defendem certos direitos, entre eles à
propriedade. Portanto, agregado a esse fator, dentro do tópico há o destaque
para a função social da terra -significado de uso daquela propriedade para diversas
atividades, como plantações, moradia e comércio.
Dentro disso, a escritora
destacou o conceito de “epistemicídio”, compreendido como a aniquilação de
interpretações do direito provenientes do Sul -o direito marginalizado- para
afirmar que o direito atual é global, e por isso, procura a universalização. Contudo,
existe uma contradição neste argumento dado que essa busca por generalizar é uma
estratégia para exercer a dominação frente aqueles que não pertencem a epistemologia
do norte, e com isso, além da incitação da monocultura do saber, a avaliação
jurídica será influenciada por uma visão do direito que não corresponde a todas
realidades sociais. Acrescentando nesse assunto, é de conhecimento público que
o conflito agrário está presente especialmente nos países que tem uma cultura
de grandes latifúndios, por esse motivo, é fundamental frisar a necessidade de
um poder judiciário responsável em enfrentar situações problemas que existem no
país, a partir de um entendimento do direito coeso e justo em relação aos
direitos e deveres das partes envolvidas.
Logo, a interpretação do
Tribunal a respeito de uma não reintegração de posse aos fazendeiros, visto que
mesmo tendo direito a propriedade, ela eximia sua potencialidade. Portanto, está
em legalidade com a norma fundamental e o contexto de vida da população, deste
jeito, os pertencentes do grupo MST morando e produzindo tanto para sua subsistência
quanto para uma possível venda de produtos excedentes, e com essa postura, há
uma utilidade da terra que exerça sua função frente a sociedade.
Sarah Fernandes de Castro
-Direito/noturno
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