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sábado, 31 de agosto de 2019

O direito brasileiro sob a perspectiva jurisprudencial

Analisando o caso da Fazenda Primavera vemos que era uma fazenda improdutiva e que, portanto, não cumpria com a função social da propriedade (art. 5°, inciso XXIII, CF). Quando, sob processo de desapropriação, os proprietários impediam o acesso dos fiscais do INCRA mas quando era de interesse deles comprovar a “produtividade” da fazenda alegavam que não era possível tal inspeção devido à ocupação pelo MST. O direito brasileiro apresenta várias lacunas que dificultam e até mesmo impossibilitam que a justiça social seja feita com eficiência. No presente caso, a constatação da improdutividade não pode depender da boa vontade dos proprietários devendo haver proteção policial aos fiscais ou mesmo utilização de imagens de satélites pois atualmente com grande resolução e podem identificar inclusive quais culturas estão sendo lavradas.

O Des. Carlos Rafael Dos Santos Junior (relator) ao negar o recurso de reintegração de posse da Fazenda Primavera (2001) recorre ao direito norte-americano para justificar sua decisão. Este direito, diferentemente do brasileiro, é tido como um direito jurisprudencial. No Brasil o direito provém da família romano-germânica, tendo por fonte, basicamente, a lei. Ora, se o juiz se ativesse ao texto literal da lei, deveria dar provimento ao recurso uma vez que o processo de desapropriação tem procedimento distinto do processo de reintegração de posse. O relator evita a interpretação jurídica tradicional e afirma que o juiz precisa revisar conceitos para se adequar aos novos fatos. Como justificativa para tal procedimento ele cita no acórdão a definição de Carlos Maximiliano[1] sobre interpretação e construção e suas diferenças:

“A Interpretação atém-se ao texto, como avelha exegese; enquanto a Construção vai além, examina as normas jurídicas em seu conjunto e em relação à ciência, e do acordo geral deduz uma obra sistemática, um todo orgânico; uma estuda propriamente a lei, a outra conserva como principal objetivo descobrir e revelar o Direito; aquela presta atenção maior às palavras e ao sentido respectivo, esta ao alcance do texto; a primeira decompõe, a segunda recompõe, compreende, constrói. ”

A Construção tem sido típica no direito brasileiro pois o legislativo, com sua morosidade intrínseca, não consegue acompanhar as rápidas transformações da nossa “sociedade líquida”. A construção é, como afirma Sara Araújo, um diálogo das “Epistemologias do Sul com a sociologia do direito que busca identificar exclusões produzidas pelo direito germânico-românico e adaptá-lo às condições socioculturais brasileiras uma vez que a justiça brasileira não responde a reformas e ações impostas pela elite político-econômica brasileira. Decisões com tendências jurisprudenciais podem promover desenvolvimento social e trazer de volta o aspecto libertador do direito, porém tais decisões devem ser tomadas com cautela a fim de não trazer insegurança jurídica.

Luís Gustavo Nunes Barbosa - Direito Noturno


[1] Hermenêutica e Aplicação do Direito, Rio de Janeiro, 1979, Forense, 9a ed., p. 40.

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