O caso Pinheirinho ficou marcado na lembrança de diversos brasileiros que o acompanharam devido à forte carga emocional que ele causou. Aproximadamente 1500 famílias (quase 6000 pessoas) foram despejadas violentamente de suas casas pela Polícia Militar devido à uma decisão judicial de reintegração de posse ao investidor Naji Nahas da empresa Selecta. Foi uma decisão difícil e de cunho principiológico onde os direitos de propriedade e de moradia, que possuem a mesma hierarquia constitucional, travaram um embate judicial.
O direito de propriedade consta na Constituição Federal no art. 5º, XXII, sendo uma cláusula pétrea por ser um direito individual. Esse direito, além de garantir o uso e gozo, garante que a propriedade pode ser reavida de quem quer que esteja a possuindo injustamente, como no caso dos moradores do Pinheirinho. A propriedade deve estar exercendo uma função social para ser garantida e o voluptuoso terreno de Naji Nahas não exercia função social alguma, o que poderia causar sua perda mediante indenização (art. 182, §4º, I, II e III da CF). De outro lado, o direito de moradia é também salvaguardado pela Constituição federal no artigo 6º, sendo um direito social e importante para uma existência digna desde a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1948. Já que as pessoas carentes não possuíam condições e um local para morar, invadiram a propriedade e lá construíram uma comunidade, chegando a abrigar aproximadamente 1600 famílias.
Analisando o caso de acordo com a filosofia hegeliana, podemos considerar que a decisão tomada foi justa, já que o Direito e o Estado Moderno são a expressão máxima da racionalidade humana. O direito de moradia está presente na Constituição e deve ser garantido a todos os cidadãos brasileiros, porém, não cabe a particulares a garantia desse direito, ou seja, nenhum homem pode ser privado de sua propriedade contra a sua vontade para garantir direitos de outrem, esse dever é do Estado e a situação precária em que as pessoas que povoaram o terreno é culpa da falha das políticas públicas estatais. Portanto, o Direito, como a materialização da razão humana, como dizia Hegel, garantiu a justiça no caso do Pinheirinho, já que colocou ambas as partes em condição de igualdade e julgou de acordo com as leis racionais humanas, prevalecendo o direito do proprietário que teve suas terras invadidas.
Marx, em "Crítica a Filosofia de Hegel", coloca em questão sobre qual é esta racionalidade que coloca todos em termos de igualdade? O Direito funciona para qual finalidade? Ora, de acordo com sua filosofia, o Direito é um instrumento burguês de dominação, onde mantém e garante a ordem e os privilégios da classe dominante e coloca os dominados sob a ilusão de terem garantias, mas na verdade, os domina, impede sua subversão contra a ideologia burguesa. É isso que vemos acontecer no caso Pinheirinho. Como o direito de propriedade, que é uma das maiores expressões da ganância e interesses burgueses, conseguiu se sobrepor ao direito de moradia e de uma vida digna para mais de 5000 pessoas? Só há uma explicação plausível para essa situação: o Direito é garantido para todos, porém, é mais para uns que para outros, prevalecendo sempre a vontade daqueles que estão de acordo com os interesses da classe dominante.
Já a corrente libertária defende que qualquer pessoa pode fazer qualquer coisa com qualquer bem escasso, desde que esse bem não possua um proprietário. Para essa corrente, a propriedade é um direito natural essencial para a sobrevivência e desenvolvimento da sociedade humana, pois graças à ela os homens pararam de ter uma vida parasitária (coletando apenas o que a natureza produzia) e passaram a produzir, aumentando a população humana e sua qualidade de vida, e como vemos a partir de análises mostrando o desenvolvimento humano a partir do surgimento do capitalismo e do Estado de direito burguês vemos que essa propensão à melhora da qualidade de vida vem aumentando. Jogando essa teoria para o caso do Pinheirinho, vemos que a comunidade poderia se apropriar de terras para construir sua habitação, mas não em propriedades que já possuíam um proprietário, independente de seu uso.
Portanto, é de concordar, de acordo com o Direito, que os invasores do Pinheirinho possuíam seus direitos e suas garantias, mas eles deviam cobrá-los do Estado, de suas políticas públicas. A propriedade, mesmo não exercendo suas funções sociais, só poderia ser destituída de seu proprietário pelo Estado e só depois ser destinada a fins habitacionais. É óbvio que não havia necessidade da violência durante o processo, pois como podemos ser racionais se ainda nos valemos de técnicas tidas como bárbaras ao invés de negociações? No caso do Pinheirinho o interesse privado prevaleceu, mas não podemos negar os avanços sociais que o Direito vem trazendo para a sociedade, então se ele é um instrumento de dominação ou não depende da maneira como ele é utilizado, pois seu uso não é exato, e do senso de justiça daqueles que analisam o caso. Uma coisa é certa: o Estado foi totalmente arbitrário em suas ações e não cumpriu seus deveres com a comunidade do Pinheirinho, era seu dever fazer com que aquelas pessoas possuíssem um lar e que ao menos, proporcionasse uma nova habitação para elas após o despejo aterrorizante.
Alexandre Roberto do Nascimento Júnior
Sociologia do Direito - 1º Direito diurno
Sociologia do Direito - 1º Direito diurno
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