“Para
os pobres, é dura lex, sed lex. A lei
é dura, mas é a lei. Para os ricos, é dura
lex, sed latex. A lei é dura, mas estica.”
Fernando Sabino
Karl
Marx, em sua “Crítica da Filosofia de Hegel”, subverte a concepção hegeliana do
Direito, analisando criticamente o papel do capital e da luta de classes neste.
Hegel defendia o Direito como liberdade, como positivação de uma vontade
racional, defendida por todos, através de um ideal falho de isonomia. Em Marx,
o Direito passa a ser um instrumento de dominação político-social a serviço do
Estado burguês, utilizado de forma a sustentar o status quo e, assim, reproduzir as condições desiguais
características de uma sociedade capitalista e marcada pela luta de classes.
As
decisões tomadas no caso Pinheirinho expressam nitidamente um Direito voltado para
o benefício daqueles que detêm o poder, em detrimento dos menos favorecidos. No
dia 22 de janeiro de 2012, um domingo, às cinco horas e trinta minutos da manhã,
a Polícia Militar de São Paulo iniciou a desocupação de 1.600 famílias de
trabalhadores, mais de seis mil pessoas, do território onde residiam há cerca
de sete anos. A conduta das autoridades neste caso interromperam abruptamente
as negociações legítimas que ocorriam entre as partes judiciais e o governo
estadual e federal, demonstrando uma falta de apreço injustificável aos
princípios básicos dos direitos humanos, consagrados pela Constituição e por
Tratados Internacionais.
Mesmo
se compreendendo que o Direito encontrava-se em um impasse – o direito à
propriedade versus o direito à
moradia -, é inegável que a decisão tomada pela juíza Márcia Loureiro causou um
prejuízo material e moral incalculável às vítimas da desapropriação, ferindo
diretamente o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, hoje cláusula pétrea da
Carta constitucional.
O direito à propriedade privada, também
de acordo com a nossa Carta Magna, é inalienável. Mas, de acordo com o
pensamento marxista, ele é passível de acesso primariamente aos burgueses.
Então, quando esse direito “sacrossanto” e “intocável” da classe dominante é confrontado,
o Direito, instrumento de dominação social, o beneficia em detrimento de todo o
resto – o direito à moradia, a Dignidade Humana, a integridade física. Por
isso, as vítimas da desocupação não receberam qualquer ajuda ou indenização do
Estado: a classe trabalhadora e explorada fica à mercê de um Estado Democrático
de Direito que não cumpre suas próprias prerrogativas de existência. Engels, em
sua obra Do Socialismo Utópico ao Socialismo Científico, já afirmara que “(...)
a existência das classes contradiz à
justiça, à igualdade etc., não mediante a mera vontade de suprimir essas
classes, mas sim por meio de novas condições econômicas determinadas.”.
Nos Estados Unidos, uma prática jurídica
muito comum são as chamadas stand-your-ground
laws, presentes em 45 dos 50 estados americanos. Essas leis defendem que
uma pessoa pode usar qualquer tipo de força, inclusive força letal, se
acreditar estar ameaçada em um território que legalmente a pertença. Da mesma
forma que ocorreu no caso Pinheirinho, estas leis favorecem as classes
dominantes, subordinando os direitos humanos ao direito à propriedade. No caso
Renisha McBride, por exemplo, a adolescente negra de 19 anos buscava ajuda em
um bairro rico de Detroit, Dearborn Heights, pois sofrera um acidente de carro
nas proximidades. Em uma das casas em que bateu na porta, buscando ajuda, o
dono da propriedade atirou em seu rosto, alegando pensar estar sendo invadido.
Dessa forma, entende-se que, de acordo
com a teoria marxista, Direito como liberdade é uma utopia. E enquanto perdurar
a luta de classes, a existência de uma classe dominante e uma classe dominada,
o Direito será um instrumento de dominação. Se não o fosse, a desapropriação
não teria acontecido – e os direitos humanos básicos não teriam sido suprimidos
da maneira que o foram.
Lívia Armentano Sargi - Diurno
Aula I - A "Crítica da Filosofia de Hegel" de Marx e o caso Pinheirinho
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