Ele estava cansado. As
mãos deveras calejadas, quentes, pesadas. As pernas mal podiam tocar o chão. Os
músculos de seu corpo se contraíam, um a um, de forma impiedosa, em cada
movimento seu. Ele já não podia aguentar... As horas não passavam? Não, elas eram
intermináveis, dolorosas. O suor chegava a ser ácido, atingindo toda e qualquer
ferida aberta e ardendo como o inferno... Sangravam.
À medida que o tempo
escorria por entre as paredes negras da fábrica, o lugar transformava-se num
calabouço: cada vez mais escuro. Nada poderia tirar aquele cheiro triste dali.
Aquele cheiro de desespero humano, aquele cheiro de espera contínua, diária. As
máquinas soltavam seus ruídos ensurdecedores, rodavam ininterruptamente. Às
vezes dilaceravam mãos, pernas, braços. Às vezes mutilavam crianças... Os
ruídos escondiam os soluços dos prantos apertados daqueles homens.
Naqueles corredores
tirava-se a honra das moças. Naqueles corredores a infância dos menores era
arrancada com as unhas. Naqueles corredores estavam espalhados uma multidão de
olhos cheios de água. Naqueles corredores... Eles eram transformadores.
Transformavam humanos em engrenagens incansáveis, enferrujadas.
Transformavam-nos na glória do lucro. Transformavam-nos em máquinas geradoras
do luxo distante, do outro lado da cidade.
Finalmente o sinal de
saída soou. O homem caminhou a arrastar o corpo para fora da fábrica, quase que
num desespero contido. Assim que colocou os pés na rua, olhou o céu: onde
estavam as estrelas? A fumaça negra impregnava o ar, tornava-o denso, fétido.
Respirou fundo e sentiu a poeira se alojando fundo em seus pulmões. Em estado
febril, a testa queimava mais que o carvão das caldeiras. Tossia.
Ao chegar à sua pequena
habitação, no bairro industrial, procurou veementemente sua mulher e filhos:
encontrou-os amontoados em um canto, no chão frio. Estavam todos gélidos,
feridos, sujos de óleo de máquina. Partiram? Não tinham pulso. A tuberculose os
acometera de tal forma que os levara dali. Seis braços a menos na próspera
produção inglesa.
Enquanto isso, nas ruas
burguesas da Londres empoeirada, um homem da sociedade, usando seu terno e seu
perfume francês, tragava um charuto e observava a esposa e os três herdeiros
adormecerem sobre as poltronas ao lado da lareira. Tirou um pacote de notas de
dentro de uma maleta de couro preto e as admirou, orgulhoso. Ah, a Revolução
Industrial! Símbolo do progresso europeu. Quanta glória, quanta riqueza, quanto
avanço... Suas crianças estavam ali, regozijando-se entre os casacos de pele.
Mas ele sentia por aquelas que se enrolavam em trapos de algodão cru a
esperarem pela jornada de trabalho do dia seguinte... Ou não?
As notas todas estavam
sujas de sangue. Ele não podia ver.
- Iara da Silva,
Direito Noturno
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