Em
2019, por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 26, o
Supremo Tribunal Federal equiparou, em termos penais, a prática do discurso de
ódio denominado homofobia ao racismo. Em um país majoritariamente conservador e
estruturalmente preconceituoso nas mais diversas esferas, a decisão do STF foi
histórica no combate à toda forma de discriminação e manutenção do princípio
constitucional da igualdade. Entretanto, justamente tendo como base as características
negativas citadas intrínsecas à nossa nação, surge o questionamento de como uma
comunidade historicamente marginalizada vem alcançando reconhecimento nas
esferas sociais e jurídica. A presente dissertação busca, à luz de diversos
pensadores, analisar a luta da comunidade LGBTQIA+ e explicitar como ela tem
sido a principal responsável para conquistar a implementação de direitos já
positivados que, por negligência governamental, nem sempre são eficazes para
essa parcela da sociedade.
De início, sob a ótica de Pierre Bourdieu,
vale ressaltar como a constante luta dessa camada vem alterando positivamente o
espaço dos possíveis. Definido pelo sociólogo como tudo aquilo que se é
realizável em um meio, o espaço dos possíveis é reflexo direto das dinâmicas
sociais nele existentes, sendo estas, historicamente, as mais intolerantes possíveis para com as minorias
sexuais. Entretanto, o espaço dos possíveis é delimitado pelo campo jurídico. Tendo
por base que o referido pensador considera o direito como a junção da lógica
positiva da ciência com a lógica normativa da moral, observa-se que o direito
não será algo estático, visto que os parâmetros que definem a moral tendem a
variar de acordo com o tempo e espaço em que se inserem. Assim sendo, levando
em conta que o espaço é o de um Estado democrático de direito e que vivemos em
um tempo de constante reconhecimento de direitos graças ao conflito entre os
marginalizados e a ordem homofóbica, é incabível a permanência de discursos discriminatórios
de qualquer natureza.
Após a análise do pensamento de
Bourdieu no contexto citado, passemos agora para o estudo das ideias de Antonie
Garapon. Para o jurista, a plenitude da democracia é alcançada ao rompermos as
amarras impostas pelos denominados magistrados naturais – comportamentos
típicos de uma ordem retrógrada, como o machismo e a homofobia – e recriar a
organização social por meio do direito. Para superar os magistrados naturais,
no entanto, é necessário que o sujeito exerça a magistratura de sua própria
vida, ou seja, participe ativamente de batalhas que busquem o rompimento com a
ordem natural. Nesse viés, nota-se como decisões como a ADO 26 não são frutos
de um mero “paternalismo judicial”, mas sim de uma luta constante que reflete o
protagonismo dos agentes oprimidos nessas conquistas. Ademais, ainda no quesito
de romper com a ordem vigente, decisões judiciais devem colaborar com os
embates sociais travados por meio da antecipação do direito, isto é, devem
pensar o direito como uma ferramenta de transformação social e não como um
instrumento que reproduza e legitime atitudes discriminatórias que já se
encontram enraizadas em muitos cidadãos.
Por fim, o foco da análise será
agora o pensamento de Michael McCann a respeito do direito e sua função no meio
em que está inserido. Consoante aos ensinamentos do professor, vivemos em um
contexto marcado por um fenômeno denominado mobilização do direito. De acordo
com seu conceito, essa é a mobilização dos próprios sujeitos de direito para
reivindicar os próprios interesses. Alinhado ao conceito já apresentado de
magistratura do sujeito, ocorre aqui uma transição na ideia dos tribunais como
os principais garantidores e de direito, passando esse ofício para os agentes
em si. Deste modo, mais uma vez se observa em como decisões judiciais, há
exemplo da ADO analisa, são frutos principalmente de um cenário de
instabilidades geradas por aqueles que reclamam seus direitos básicos e uma
ordem de caráter opressora. Tais mobilizações exercem influência primeiramente
no chamado nível estratégico, ao pressionar autoridades judicias para que providências
sejam tomadas, e, posteriormente, em nível constitutivo, que passa a adotar os
decretos proferidos como parte da vida cotidiana – ou, caso haja resistência,
há desde pressões exercidas pelo meio para exigir mudanças comportamentais até
consequências penais.
Mediante a minuciosa exploração dos diferentes
conceitos apresentados, concluo reafirmando: decisões como a da ADO 26 são consequências
diretas das lutas travadas pela comunidade LGBTQIA+. Ao pressionar a sociedade
como um todo, os agentes sociais adquirem influência necessária para alterar
os parâmetros do espaço dos possíveis e, por conseguinte, superar os magistrados
naturais, fato que seria impossível sem a organização pela mobilização do
direito e suas consequências na esfera social, política e jurídica. Somente respeitando
as reivindicações das minorias atingiremos a plenitude de nossa democracia e
cumpriremos a verdadeira função do direito.
Mateus G. F. de Souza
Turma XXXIX - Matutino
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