Observando a realidade brasileira contemporânea, nota-se que
há entre os indivíduos uma divergência social dispare, derivado,
principalmente, do acesso à posse e propriedade da terra, enquanto uns possuem
muita terra, outros se subordinam para viverem nelas. Boaventura relata em seus
estudos que para chegar nessa estrutura, no decorrer da história, o direito e o
sistema judicial foram utilizados para legitimar e consolidar essas situações
injustas, incidindo no direito dos 99%, os menos favorecidos, e dos 1%, os mais
favorecidos. Em sede disso, o autor acredita em uma mudança social, isto é,
processos políticos cujo objetivo é incluir na sociedade os grupos sociais
isolados socialmente, visando a concretização de uma justiça social, para tanto
os movimentos sociais são de suma importância para a mobilização desse direito
que por muito tempo desigualou os entes, acarretando em uma hermenêutica
diferenciada, derivando em movimentos contra-hegemônicos. Sabendo disso,
movimentos como o MST (Movimentos dos Trabalhadores Sem Teto) cumpre a função de
mudar o paradigma vigente, estimulando a ocupação do direito.
Em meados de 2001, por meio de um agravo de instrumento interposto
por Formiguieri, o poder judiciário lidou diretamente com o que foi retratado
por Boaventura e posicionou-se favorável a mudança social, negando o agravo. No
caso, os envolvidos relatam que a sua propriedade foi ocupada por pessoas que
são membros do MST, isto é, pessoas que não possuem residência e propriedade, e
acabam ocupando o território. Em termos legais, seguindo a letra da lei, essa
ocupação é ilegítima, pois fere um dos princípios constitucionais, todavia,
nesse caso, também é inconstitucional a situação na qual a propriedade se
encontrava e a situação dos membros do MST, uma vez que o direito a uma vida
digna não foi concretizado, afinal, a moradia é o pilar da dignidade. Os
desembargadores em todo momento seguiram o princípio constitucional da função
social da propriedade, que incide no fato de que a propriedade deve deter de
uma utilidade. Ou seja, a propriedade que foi ocupada não exercia função social
e com a chegada do MST passou a possuir isso.
Essa decisão recai sobre um direito contra-hegemônico. Ao
longo da história do MST, poucos juízes foram favoráveis àqueles que Boaventura
chamaria de 99%, uma vez que a estrutura social começou a mudar com o advento da Constituição de 1988 que engendrou diversos elementos dos direitos de caráter cosmopolita,
os diretos humanos. Nessa nova organização, as universidades começaram a
ensinar aos futuros doutrinadores e operadores do direito conceitos que
tangenciam as novas propostas e demandas sociais, entre elas a função social da
propriedade. Isso fortaleceu os movimentos contra-hegemônicos, entre eles o
MST, que encontrou nessas lacunas que demandam de interpretação, uma forma de
ocupar o direito. Como no caso apresentado, o direito à moradia foi
conquistado, correlacionando a propriedade com a função social. Para tal ato,
houve a necessidade do acesso à justiça, algo que começa a ser acessado pela
população. Tudo que foi salientado, condiz com o que Boaventura chama de direito
reconfigurativo, isto é, remodelar a hegemonia presente, utilizando de
artifícios que o próprio direito concede.
Sendo assim, Boaventura acredita que determinados grupos
podem angariar ganhos superiores em relação as restrições que detinham até
determinado momento, emancipação por meio do direito. Para isso os movimentos
sociais devem estabelecer estratégias políticas e jurídicas, como ocupações
coletivas, como feito no caso exposto, a Fazenda Primavera, e mobilizar de
maneira proativa o judiciário, estabelecendo recursos que apresentam
reinvindicações em prol do cumprimento do direito que foi positivado na
Constituição Cidadã, a título de exemplo: direito à moradia e a exigência do cumprimento
da função social da propriedade. Dessa forma, para Boaventura, a mudança social
virá com o uso do direito como instrumento emancipatório e com a reformulação
da democracia, reconfigurando as relações de poder, quando o direito que os 1%
possuem passarem a ser usados em prol dos 99%.
Joelson Vitor Ramos dos Santos - Matutino, Turma XXXV
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