Segundo Durkheim, a função da pena não é apenas punir o
indivíduo e sim mostrar as consequências que a infração da norma pode implicar,
ou seja, seu objetivo é primariamente causar a reação de choque. Seu sentido é,
e sempre será, social, como uma maneira de tentar fazer diminuir os índices criminais
pelo medo da punição. A pena não é exercida apenas em função do sistema penal,
mas pela própria população que, ao perceber a constância dos índices de
violência, decide resolver o problema por si mesma pelo método tão criminoso
quanto supostamente a vítima foi acusada de ser: o linchamento.
Na visão do filósofo, a sociedade deseja que o estuprador,
assassino, ladrão sofra, que ele seja envergonhado. É insuficiente que o criminoso
“apenas” passe parte da sua vida atrás das grades, seja supostamente
reabilitado e depois solto. O sistema carcerário brasileiro é vítima de
inúmeros problemas estruturais que dificulta a ideia de recuperação do preso e
sua reinserção na sociedade, contudo, mesmo quando isso ocorre, a ideia de que
o ele possa ser tolerado causa pavor.
A mistura do medo e
da insatisfação com a política e o judiciário vigentes leva o cidadão que se
auto denomina “de bem”, interessado em proteger sua integridade física, a de
sua família e sua propriedade, a fazer justiça com as próprias mãos, isto é, agride
o que o amedronta sem, no fim, resolver o problema, mas sim mantendo-o ao
cometer crime de agressão ou de homicídio, e ainda sendo aceito na sociedade,
uma vez que a violência é contra o que todos acreditam ser o criminoso, sendo protegido
pelas testemunhas que estavam no local. Pode-se afirmar então que a justiça
repressiva tem um funcionamento difuso, como defendia Durkheim: ela não se
exerce apenas por intermédio do magistrado, mas de toda sociedade.
A vítima dos linchamentos é arbitrariamente julgada e
acusada pela sociedade, mesmo que sem provas, vide o caso de Fabiane Maria de
Jesus, mulher que morreu em 2014, no Guarujá, ao
ser espancada por um grupo de mais de cem pessoas ao ser confundida com uma
mulher que supostamente sequestrava crianças. Ou de Cleidenilson Pereira da Silva,
amarrado num poste e castigado até a morte, por tentar roubar um bar. Tais acontecimentos
remetem ao período da escravidão, quando os escravos eram amarrados a
troncos e, sem chance de se defenderem, apanhavam, muitas vezes até a morte.
Segundo o sociólogo José de Souza Martins, o Brasil tem um
linchamento por dia. É um fato preocupante, uma vez que revela que o sentimento
de ódio interiorizado no ser humano está pronto a ser libertado a qualquer
momento, mesmo que seu resultado seja o término da vida de outrem (sendo muitas
vezes este o objetivo principal). Os linchamentos podem então serem definidos
como o reflexo do desejo da vingança no lugar da justiça, e um meio para
extravasar a raiva contida do cidadão.
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