Augusto
Comte, o fundador da Sociologia, tivera sua obra orientada pela proposição de
olhar-se a sociedade com os mesmos olhos das ciências naturais. Em meio a uma
sociedade recém-industrial e à necessidade de compreender-se o novo metabolismo
social, Comte enuncia um método dotado de observações circunstanciais, a fim de
se encontrar relações e leis efetivas, abstendo-se das crenças e causas finais,
isto é, os objetivos residiriam menos na busca dos porquês, mais nas utilitárias
constatações de padrões quase matemáticos. Abancado na premissa de que o
conhecimento científico é a única forma de conhecimento verdadeiro, entende a biografia
do conhecimento humano na figura dos estágios, a saber: o Teológico, esclarecimento
da realidade via ente sobrenatural; o Metafísico, envolvido pelas entidades
abstratas; e, por fim, o Estado Positivo, no qual se daria o império da ciência,
submetendo-se a imaginação à observação, experimentação e ao concreto.
Apesar
da manifesta contribuição Comteana para a edificação da ciência − com destaques
até para bandeiras altivas de avanços, como na proclamação da república brasileira,
no desenho da abolição da escravatura – carece-se atinar que sua filosofia faz-se
non grata ou insolúvel na atual conjectura de mundo. Enquanto o mundo contemporâneo
reivindica uma democracia participativa e deliberativa; o pensador exaspera os
deveres de cada indivíduo e lhes impõe a aceitação de seus papéis no despótico
enredo positivista. O mundo moderno brada por um regime menos hierarquizado, livre
da rigidez formal e apego às formas tradicionais de poder; Comte arremessa-lhes
uma moral e harmonia universal – sem customizações, direito a ajustes ou à devolução.
O mundo moderno caça uma partilha das decisões políticas com múltiplos atores, abalizada
na cooperação global; Comte alvitra a elegante “correção da anarquia
intelectual” – algo como “liberdade totalitária de pensamento”.
O
mundo moderno almeja solução para os refugiados; o positivismo, talvez não os
considerasse parte da desenvolvida Humanidade. O mundo moderno quer liberdade
sexual; o positivismo talvez não encontre nesta uma “relação normal de sucessão
e similitude”. O mundo moderno quer existir enquanto indivíduo, empreender,
debater, criar, pensar sozinho, poetizar, construir e desconstruir; o
positivismo quer dirigir, ditar, doutrinar, fazer receita de bolo, não permitir,
proibir e desautorizar. Enquanto o primeiro lança-se – e até vai de encontro −
à participação, voz, conversação, liberdade e aceitação; o segundo, fixa-lhes
tão somente a ordem, submissão, os deveres pragmáticos e a conformação – tudo basificado
no extravagantíssimo conhecimento positivista, ao qual tudo deve se submeter,
fazer-se escravo, devoto e fiel. Comte acaba por recriar aquilo que tanto exprobrou:
um estágio teológico, no qual a divindade é a sua própria deusa moralista da ciência.
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