Bourdieu explora os conceitos de formalismo e instrumentalismo de forma convicta durante seu pensamento. Sob sua concepção, formalismo seria o entendimento do direito como uma força autônoma diante dos demais aspectos da sociedade e das pressões sociais, ou seja, é a ideia do direito como algo independente e não abalável pelos fatores externos. O instrumentalismo, por sua vez, seria o ato de servir-se do direito em prol de uma classe dominante, como forma de atender a privilégios de certa camada imperante da sociedade. Assim, o pensador dá continuidade a este viés lógico embasando-se em termos como campo e poder simbólico, os quais seriam, respectivamente, espaço onde interesses específicos são defendidos e os instrumentos de adequação para que interesses sejam tidos como relevantes dentro do campo.
Desta forma, aprofunda sua análise aplicando-a no âmbito do direito: afirma que o campo jurídico é dotado de seu poder simbólico próprio, seja por atos peculiares do sistema ou pela linguagem rebuscada e característica. Tendo em vista tais concepções, é possível presumir que mesmo tratando-se de um sistema fechado e que exige certos requisitos para aceitação de novos elementos, é possível a atribuição do conceito de autonomia relativa, o qual implica que mesmo que o direito seja regido e embasado por suas próprias normas, por vezes atende a demandas externas a seu sistema.
Ao analisar as contribuições fornecidas por Bourdieu e na tentativa de aplicá-las a um caso prático, toma-se como proveitoso o exemplo da ADPF 54, que garantiu a descriminalização do aborto em caso de anencefalia fetal no Brasil. Haja vista a proibição de se abortar no país e todo ordenamento rígido e inflexível que cerceia tal prática, a exceção no caso dos anencéfalos pode ser vista como quebra do formalismo da norma. Melhor dizendo, o fato da decisão ter optado por flexibilizar - mesmo que minimamente - o ordenamento jurídico demonstra indireta e sutilmente que este não se portou tão intransigentemente: o formalismo deu espaço para questões além da norma positivada. A decisão pautou-se em questões de direito de liberdade, saúde, direito das mulheres e outras questões. Assim, mesmo que de maneira tímida, a singela ruptura do engessamento normativo se torna preceito para que outras demandas sociais acreditem na possibilidade de reforma da lei em prol de direitos humanos, numa expectativa de realidade na qual os princípios normativos estejam em concordância com os direitos e princípios fundamentais.
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