Composta por diversas culturas, a sociedade acaba por encontrar dificuldades em lidar com as diferenças entre elas. O momento em que diferentes culturas se chocam gera a "zona de contato". Boaventura de Sousa Santos delimita as quatro formas de contato - violência, coexistência, reconciliação e conviviabilidade. Esses tipos se caracterizam em como a cultura hegemônica lida com as menores através do Direito.
No que é caracterizado como violência, a cultura hegemônica não só não aceita, como cria mecanismos que suprimam as menores. O caso dos ciganos romenos na França em 2012 é um exemplo disso. Sendo os hábitos dos ciganos muito aquém da realidade local e a luta deles por empregos que, em época de violenta recessão, gerou clamor popular, o governo francês encontrou meios de "suborná-los"a voltar à Romênia depois de fechar os acampamentos irregulares nos quais eles residiam. No entanto, inicialmente, o caso se configurava em outra categoria, a de coexistência. Antes da "ameaça" ao mercado de trabalho, apenas os hábitos ciganos não eram suficientes para gerar reações populares nem do governo. Em outras palavras, em um estado de coexistência as culturas não interagem positiva ou negativamente, permanecem segregadas.
Outro exemplo disso é a existência de "bairros negros" nos EUA. A porcentagem de negros no país é bastante significativa e ainda não há uma completa assimilação da cultura afrodescendente à cultura hegemônica, criando uma zona de contato não apenas ideológica, mas física. Contudo, é inegável a evolução norte-americana nesse sentido. A luta pelos direitos civis e a repressão de movimentos como sit-ins e dos freedom riders pela metade do século XX mostra como a sociedade estadunidense se encontrava em estado de profunda violência. A intervenção do Direito como real instrumento de modificação dessa realidade se consolidou quando, em 1964, a suprema corte declarou inconstitucional a segregação e em 1965 concedeu direito de voto aos negros. A partir de medidas jurídicas como essas, é natural que se iniciem uma série de atitudes que visem a "compensar" a cultura menor pelas injustiças sofridas até o momento, medidas de reconciliação.
Esse contexto, porém, não é voltado para o futuro, mas para o passado e para o presente. Muitas vezes apenas mascaram a realidade do contato. Por mais que seja uma tentativa de aceitação das outras culturas, a reconciliação ainda carrega consigo o caráter autoritário da cultura hegemônica, dentro da "legalidade demoliberal". É a cultura maior concedendo espaço às menores, não cooperando.
A real cooperação só é encontrada no último estado. A convivialidade é a única forma que não só respeita as diferenças como utiliza delas para o crescimento, atuando em conjunto.
Infelizmente, o estado de convivialidade, no cenário de "legalidade cosmopolita", é extremamente complexo e não depende apenas de ferramentas jurídicas para sua consolidação. Por isso não encontram-se facilmente exemplos de fenômenos sociais assim, mesmo em sociedades ditas desenvolvidas, como as citadas anteriormente. A França, inserida no UE, possui o aparato jurídico para assimilar culturas e ainda expulsou os romenos da mesma forma que lidou com a questão das burcas. É necessário que os três poderes lidem juntos com essas questões para que se avance, o caso de Little Rock nos EUA provou isso. Mesmo depois de decisões como as de 1964 e 1965, já citadas, o presidente estadunidense enviou tropas do exército para assegurar que nove crianças negras entrassem na escola originalmente reservada para brancos da cidade.
A necessidade da cooperação entre os poderes não diminui a importância da utilização do aparato jurídico voltado à convivialidade. Ao contrário do que é usualmente posto, o Direito não se configura como ferramenta de opressão da burguesia. É, na realidade, um importante componente da mudança social e instrumental no avanço da sociedade.
Andrêas Di Cesare Paiva
Fernando Henrique Zaparoli
Moacyr de Oliveira Neto
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