A Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) de número 4277 estabeleceu por votação unânime entre os ministros do STF que fossem reconhecidos os direitos de união homoafetiva no Brasil. Esse julgado, portanto, representou um grande avanço na luta contra a homofobia e pelos direitos daqueles que compõem a comunidade LGBTQIAP+, mas esse progresso só foi possível após inúmeras discussões sobre o tema e sobre a própria atuação do Judiciário nessa decisão.
Primeiramente, a ADI presenciou debates dotados de discriminação acerca da constatação da união entre pessoas do mesmo sexo como “grupos familiares”. Conforme afirma o artigo 266 da Constituição Federal de 1988, a família tem proteção garantia pelo Estado, uma vez que é considerada a base da sociedade. Contudo, o texto constituinte estabelece no §3° desse artigo o reconhecimento da união estável “entre o homem e a mulher como entidade familiar”, o que contribui para a composição de uma argumentação preconceituosa que se põe contrária a decisão do STF. Não obstante, a Constituição estabelece, ainda, a igualdade entre os indivíduos em seu artigo 5° e, em especial no inciso X, afirma que a intimidade e a vida privada são invioláveis.
Nessa perspectiva, o texto constitucional atua como um “espaço dos possíveis” - segundo os estudos de Pierre Bourdieu -, haja vista que permite a geração de conflitos entre as diferentes interpretações dos artigos, na situação analisada. Também dentro do pensamento de Bourdieu, é possível anuir que o reconhecimento da união homoafetiva promove uma ruptura do poder simbólico exercido pela cultura homofóbica e patriarcal, de modo a contornar um habitus preconceituoso ao proporcionar um contato com outros campos.
Destaca-se, ainda, que como contra-argumento a respeito da capacidade de decisão do Supremo Tribunal Federal nesse tema, tem-se no artigo 102 da Constituição Federal a competência do SFT como “guarda da Constituição”, de modo a legalizar a ação direta de inconstitucionalidade. Para a análise desse conflito a respeito do papel do Judiciário, é possível utilizar como referências os teóricos Garapon e Maus, já que ambos discursam sobre o papel do Judiciário na política com diferentes conclusões. Ao passo que Maus declara que o controle normativo judicial pode contribuir para um autoritarismo desse poder e uma perda da racionalidade jurídica, Garapon afirma que a judicialização é um fenômeno político-social. Ele discorre sobre como, com a democracia, a exigência de fazer do sujeito um legislador pode conduzir a uma “incapacidade de suportar a autodeterminação”, fato esse que abriria um caminho para a Justiça exercer uma função tutelar, além de sua função arbitrária - sendo aquela até mais solicitada do que esta.
Portanto, a execução e a decisão tomada na ADI simbolizou uma evolução na luta por direitos iguais e dignidade da comunidade LGBTQIAP+, além de desenvolver uma ruptura cada vez maior - e mais necessária - com ideais anacrônicos que se fazem presentes no “espaço dos possíveis” da contemporaneidade.
Mariana Medeiros Polizelli
2° semestre - Direito Matutino
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