Judicialização da política ou ativismo judicial, sobre
diferentes perspectivas, tratam acerca do mesmo tema, a atuação do poder
judiciário no sentido de complementar eventuais ausências dos poderes
executivo e legislativo. É bem verdade, que tais "interferências" não
são homogeneamente bem vistas por todos os espectros da sociedade,
situação compreensiva, posto que, ao reconhecer ou não direitos, podem
limitar a atuação de determinados grupos e segmentos sociais.
Naturalmente, essa maior atuação, por vezes enxergada como política,
gera consideráveis deblaterações, em especial nesses grupos que, de
alguma forma, se sentem desprestigiados em tais julgados, entretanto
tais argumentos perdem força ao se compreender a judicialização como
algo amplo, inerente a uma ou outra agenda política, transcendendo as
nações, ou mesmo interesses pessoais.
Desse modo, como define o jurista francês Antoine
Garapon, esse processo de judicialização não é fruto de um mero casuísmo
do poder judiciário, do suposto ímpeto de um ou alguns magistrados,
pelo contrário, trata-se de um fenômeno político-social, bastante
associado ao avanço do neoliberalismo em detrimento do estado de bem
estar-social, o que tende a resultar em uma perda real de direitos,
ainda que esses estejam positivados no ordenamento jurídico vigente. No
caso brasileiro, a situação traz contornos consideravelmente
expressivos, a destacar o texto constitucional abrangente construído no
período da Redemocratização, o amplo sistema de controle de
constitucionalidade, fortalecimento do poder judiciário diante da então
recente insegurança da carreira, fruto das interferências dos demais
poderes na conjuntura autoritário vivenciada, dentre outros traços da
realidade brasileira recente. Nesse sentido, é possível contextualizar
alguns dos relevantes casos presentes nesse espectro brasileiro
referido, a citar a ADPF 132 (união homoafetiva), ADPF 54 (interrupção
da gravidez em casos de anencefalia), ADO 26 (criminalização da
homofobia), dentre outras.
Já sobre a perspectiva de Pierre Bordieu, é
possível compreender de modo mais claro a grande rejeição que parcela
significativa da sociedade tem demonstrado em relação à suprema corte
brasileira, vide a efervescência de ações relacionadas à tentativa da
consolidação do impedimento de alguns de seus ministros no Senado
brasileiro, tentativas de invasão ao tribunal, dentre outras acentuações
das críticas. É bem verdade, que esses impulsos estão bastante
associados a questões de natureza mais puramente políticas, contudo não
seria razoável dissociá-las do fenômeno da judicialização de alguns
temas preponderantemente não jurídicos. Quando Bordieu descreve a
relevância do poder simbólico, nota-se o quão disruptivo soa o
reconhecimento de direitos efetivados, na prática, pelo poder judiciário
e, diante desse razoável embate com o status quo estabelecido e,
portanto, com os símbolos amplamente aceitos – poder simbólico – , nesse
sentido, pode-se compreender a razão de tamanha revolta em determinados
momentos.
Conclui-se, pois, quer seja pela óptica de
Garapon, ou ainda de Bordieu, que, dado o fenômeno político-social da
judicialização de alguns temas preponderantemente políticos, essa não
está restrita à sociedade brasileira, pelo contrário, trata-se de uma
recorrência que reflete os avanços neoliberais da contemporaneidade em
detrimento do estado de bem-estar social e seus similares, estando,
desse modo, presente em boa parte das demais nações. Ademais, diante do
conflito empreendido contra o poder simbólico estabelecido, visualiza-se
com mais clareza o imperativo de oposição que se constrói em relação a
esse “ativismo judicial”. Afinal, a própria Constituição é uma decisão
política, sendo sua interpretação algo similar e que, portanto, gera
aplausos e inquietações no contexto em que se encontrar inserido.
Wiliam de Oliveira Farias Junior 221224289
Direito noturno 2022/2
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