Total de visualizações de página (desde out/2009)

segunda-feira, 24 de outubro de 2022

Judicializ(ação): uma análise comparativa com o ativismo judicial acrescida da verificação da existência de sentido em uma mecânica habitual do Direito

Dentre todas as implicações e os desdobramentos de uma linguagem, a polissemia, certamente, é um dos fatores mais instigantes. A variação do sentido de determinada palavra, indiretamente, é capaz de alterá-la ainda que não substitua nenhuma de suas letras, nem modifique a forma da sua pronuncia. Contextos são poderosos modeladores de sentido. O grande empecilho emerge a partir da criação de sentidos paralelos errôneos e controversos, os quais devem, a bem da justiça semântica, ser suprimidos. Tal quadro é presenciado pelo termo “judicialização”, assíduo atuante nos hodiernos espaços político e jurídico, o qual demanda uma análise estrutural a fim de que seja contemplada, ou não, a existência de um sentido lógico em sua existência e aplicação.  

Em primeira instância, em prol da construção de uma disposição lógica dos fatos, cabe destacar o sentido essencial da expressão supracitada. Conforme menciona Jovino Pizzi (2017), judicialização consiste em um “processo crescente de juridificação de setores da vida, que outrora se organizavam de maneira completamente comunicativa (HONNETH, 2015, p. 163)”. Portanto, em linhas gerais, simboliza forma de expansão do domínio do Direito positivo para todos os âmbitos da sociedade – a partir da incorporação por parte do ordenamento de aspectos de todos os cenários sociais. Neste sentido, “judicializar” seria expandir os domínios do Direito para outros âmbitos, a partir do procedimento  intitulado por Pierre Bourdieu de racionalização (fenômeno que denota a transferência e a consequente adaptação de certos aspectos de determinado espaço dos possíveis para outro). Como consequência direta, ainda de acordo com Pizzi, é produzida uma maior dependência por parte dos indivíduos, condicionando o quadro da magistratura do sujeito – assim definida pelos postulados de Garapon –, a qual atribui ao Direito uma postura dogmática inclinada à provisão de soluções para um indivíduo, em uma mecânica de tratamento semelhante à de um terapeuta, por exemplo.
Tendo em vista a conjuntura semântica inicial do termo, cabe a compreensão do principal sentido paralelo atribuído a ele pela realidade social: o de ativismo judicial. De forma geral, esta expressão, bastante utilizada nos dias atuais, é dotada de um sentido (pejorativamente concebido pelo corpo social) relacionado à dita postura ativa por parte do Judiciário nos casos em que os outros Poderes – Legislativo e Executivo – permanecem inertes, pondo em risco a garantia de soluções para os eventuais óbices enfrentados pelos cidadãos. Assim, em essência, o ativismo judicial seria uma forma de expressão da judicialização, de modo que esta não se resume a ele. Ela consiste em um fenômeno natural que, segundo Pazzi, alude a “[...] uma versão ‘atualizada’ de um fenômeno a respeito do processo que reforça o controle jurídico-constitucional”, e que, portanto, é uma mecânica fundamental para o funcionamento do próprio ordenamento, em termos de manutenção do equilíbrio constitucional. Tal fenômeno não pode ser reduzido ao quadro do ativismo judicial, pois este representa uma atuação enviesada por parte do Judiciário (o qual simboliza apenas um dos ramos do Direito) que é determinada e ativada por um requisito pontual: a omissão legislativa, acompanhada ou não por um posicionamento equivalente na esfera administrativa. Em contrapartida, a mecânica da judicialização incorpora (isto é, racionaliza) elementos da realidade social de modo quase ilimitado em prol da atualização constante do próprio Direito. Ativismo judicial e judicialização são aspectos dotados de sentidos próximos, mas não idênticos.
À luz do exposto, infere-se que a perspectiva da judicialização consiste em um importante aspecto cujo manejo é, inclusive, rotineiro por parte dos aplicadores do Direito, o qual, enquanto uma das variadas formas de regulação e determinação comportamental, precisa apresentar consonância com a realidade em prol de que não seja ilógico ou, na pior das hipóteses, tirânico. O fenômeno em pauta, portanto, almeja uma maior adequação do Direito e não deixar margens para que o Judiciário atue de modo irrestrito, excedendo as suas competências delimitadas pela própria Constituição.
Por derradeiro, faz-se indispensável mencionar o fato de que, salvaguardadas todas as conjunturas que o considerem como sinônimo de ativismo judicial, o termo judicialização apresenta sentido lógico, ao passo que consiste, assim como supracitado, em um fenômeno habitual do Direito do qual dependem todos os ordenamentos jurídicos. Necessário é, a partir disso, manter enfatizadas as fronteiras entre o referido fenômeno e o quadro do ativismo, em prol de que o sentido atribuído socialmente de atuação irrestrita por parte dos Judiciário possa ser tido como algo de praxe e, para além disso, fundamental para o Direito. Assim como pressupõe a expressão, judicialização implica uma ação, que não deve ser tirânica; ela é, na verdade, a denominação do movimento ativo e constante do ordenamento em nome de uma automanutenção lógica e racional a partir da presença de componentes e influências advindas de todas as esferas do espaço social dos possíveis.

Fonte externa utilizada:
PIZZI, Jovino. A JUSTIÇA JUDICIALIZADA: A PRIMAZIA DO DIREITO POSITIVO. Logeion: Filosofia da Informação, [S. l.], v. 4, n. 1, p. 21–35, 2017. DOI: 10.21728/logeion.2017v4n1.p21-35. Disponível em: https://revista.ibict.br/fiinf/article/view/4000. Acesso em: 16 out. 2022.

Mário Augusto Monteiro Filho, primeiro ano de Direito – turma noturna. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário