Dentre todas as implicações e os desdobramentos de uma linguagem, a polissemia, certamente, é um dos fatores mais instigantes. A variação do sentido de determinada palavra, indiretamente, é capaz de alterá-la ainda que não substitua nenhuma de suas letras, nem modifique a forma da sua pronuncia. Contextos são poderosos modeladores de sentido. O grande empecilho emerge a partir da criação de sentidos paralelos errôneos e controversos, os quais devem, a bem da justiça semântica, ser suprimidos. Tal quadro é presenciado pelo termo “judicialização”, assíduo atuante nos hodiernos espaços político e jurídico, o qual demanda uma análise estrutural a fim de que seja contemplada, ou não, a existência de um sentido lógico em sua existência e aplicação.
Este é um espaço para as discussões da disciplina de Sociologia Geral e Jurídica do curso de Direito da UNESP/Franca. É um espaço dedicado à iniciação à "ciência da sociedade". Os textos e visões de mundo aqui presentes não representam a opinião do professor da disciplina e coordenador do blog. Refletem, com efeito, a diversidade de opiniões que devem caracterizar o "fazer científico" e a Universidade. (Coordenação: Prof. Dr. Agnaldo de Sousa Barbosa)
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segunda-feira, 24 de outubro de 2022
Judicializ(ação): uma análise comparativa com o ativismo judicial acrescida da verificação da existência de sentido em uma mecânica habitual do Direito
Em primeira instância, em prol da construção de uma
disposição lógica dos fatos, cabe destacar o sentido essencial da
expressão supracitada. Conforme menciona Jovino Pizzi (2017),
judicialização consiste em um “processo crescente de juridificação
de setores da vida, que outrora se organizavam de maneira completamente
comunicativa (HONNETH, 2015, p. 163)”. Portanto, em linhas gerais,
simboliza forma de expansão do domínio do Direito positivo para todos os
âmbitos da sociedade – a partir da incorporação
por parte do ordenamento de aspectos de todos os cenários sociais.
Neste sentido, “judicializar” seria expandir os domínios do Direito para
outros âmbitos, a partir do procedimento intitulado por Pierre
Bourdieu de racionalização (fenômeno que denota a transferência
e a consequente adaptação de certos aspectos de determinado espaço dos
possíveis para outro). Como consequência direta, ainda de acordo com
Pizzi, é produzida uma maior dependência por parte dos indivíduos,
condicionando o quadro da magistratura do sujeito
– assim definida pelos postulados de Garapon –, a qual atribui ao
Direito uma postura dogmática inclinada à provisão de soluções para um
indivíduo, em uma mecânica de tratamento semelhante à de um terapeuta,
por exemplo.
Tendo em vista a conjuntura semântica inicial do termo,
cabe a compreensão do principal sentido paralelo atribuído a ele pela
realidade social: o de ativismo judicial. De forma geral, esta
expressão, bastante utilizada nos dias atuais, é dotada
de um sentido (pejorativamente concebido pelo corpo social) relacionado
à dita postura ativa por parte do Judiciário nos casos em que os outros
Poderes – Legislativo e Executivo – permanecem inertes, pondo em risco a
garantia de soluções para os eventuais
óbices enfrentados pelos cidadãos. Assim, em essência, o ativismo
judicial seria uma forma de expressão da judicialização, de modo que
esta não se resume a ele. Ela consiste em um fenômeno natural que,
segundo Pazzi, alude a “[...] uma versão ‘atualizada’
de um fenômeno a respeito do processo que reforça o controle
jurídico-constitucional”, e que, portanto, é uma mecânica fundamental
para o funcionamento do próprio ordenamento, em termos de manutenção do
equilíbrio constitucional. Tal fenômeno não pode ser
reduzido ao quadro do ativismo judicial, pois este representa uma
atuação enviesada por parte do Judiciário (o qual simboliza apenas um
dos ramos do Direito) que é determinada e ativada por um requisito
pontual: a omissão legislativa, acompanhada ou não por
um posicionamento equivalente na esfera administrativa. Em
contrapartida, a mecânica da judicialização incorpora (isto é,
racionaliza) elementos da realidade social de modo quase ilimitado em
prol da atualização constante do próprio Direito. Ativismo judicial
e judicialização são aspectos dotados de sentidos próximos, mas não
idênticos.
À luz do exposto, infere-se que a perspectiva da
judicialização consiste em um importante aspecto cujo manejo é,
inclusive, rotineiro por parte dos aplicadores do Direito, o qual,
enquanto uma das variadas formas de regulação e determinação
comportamental, precisa apresentar consonância com a realidade em prol
de que não seja ilógico ou, na pior das hipóteses, tirânico. O fenômeno
em pauta, portanto, almeja uma maior adequação do Direito e não deixar
margens para que o Judiciário atue de modo
irrestrito, excedendo as suas competências delimitadas pela própria
Constituição.
Por derradeiro, faz-se indispensável mencionar o fato de
que, salvaguardadas todas as conjunturas que o considerem como sinônimo
de ativismo judicial, o termo judicialização apresenta sentido lógico,
ao passo que consiste, assim como supracitado,
em um fenômeno habitual do Direito do qual dependem todos os
ordenamentos jurídicos. Necessário é, a partir disso, manter enfatizadas
as fronteiras entre o referido fenômeno e o quadro do ativismo, em prol
de que o sentido atribuído socialmente de atuação
irrestrita por parte dos Judiciário possa ser tido como algo de praxe
e, para além disso, fundamental para o Direito. Assim como pressupõe a
expressão, judicialização implica uma ação, que não deve ser tirânica;
ela é, na verdade, a denominação do movimento
ativo e constante do ordenamento em nome de uma automanutenção lógica e
racional a partir da presença de componentes e influências advindas de
todas as esferas do espaço social dos possíveis.
Fonte externa utilizada:
PIZZI, Jovino. A JUSTIÇA JUDICIALIZADA: A PRIMAZIA DO DIREITO POSITIVO. Logeion: Filosofia da Informação, [S. l.], v. 4, n. 1, p. 21–35, 2017. DOI: 10.21728/logeion.2017v4n1.p21- 35. Disponível em: https://revista.ibict.br/ fiinf/article/view/4000.
Acesso em: 16 out. 2022.
Mário Augusto Monteiro Filho, primeiro ano de Direito – turma noturna.
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