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segunda-feira, 24 de outubro de 2022

A expressão “judicialização da política”

Qualquer um que acompanhe, ainda que superficialmente, o cenário jurídico no Brasil poderá constatar facilmente que, de alguns anos para cá, a expressão “judicialização da política” tem ficado cada vez mais em voga. Ela se refere ao fenômeno – é entendida como tal por muitos, embora essa própria concepção possa ser relativizada – da abordagem de questões de relevo no debate público, de questões de forte caráter político, como o nome indica, pelo poder Judiciário. O termo é frequentemente utilizado por quem quer tratar do tema com neutralidade ou por quem é favorável a esse processo, uma vez que os críticos preferem a expressão “ativismo judicial”, de carga mais pejorativa.

            No entanto, ainda que muitos dos próprios proponentes de uma maior atuação do Judiciário nas principais questões do debate público falem em judicialização da política, o termo pede alguns questionamentos. O principal problema que se verifica em seu uso é a pressuposição que ele traz de que isso se trata de algum fenômeno especial, que o próprio fato do termo existir sugere. Quando se fala em judicialização da política, se adota uma premissa de que a política estaria fora do campo do embate judicial para começar.

            Naturalmente, trata-se de uma premissa equivocada. O Direito existe por meio da política, ele é feito constantemente por atores políticos, e mesmo os magistrados, que devem, certamente, atuar com imparcialidade, não serão neutros. Eis aqui uma distinção fundamental: entre imparcialidade e neutralidade. Ora, julgar uma questão com isonomia, sem tratar uma das partes de modo diferenciado não significa não sofrer a influência de convicções pessoais, inclusive convicções políticas. A experiência humana mostra que as pretensões de neutralidade, quer na atividade jornalística, pedagógica ou, enfim, jurídica, são, essencialmente, fúteis. Os ideais religiosos, morais e também políticos constituem o fundamento do modo de pensar de uma dada pessoa, até mesmo quando ela não tem qualquer consciência deles. Assim, não é possível uma linha de raciocínio que se desligue completamente desses elementos.

            Especialmente criticado nesse debate sobre judicialização da política é o Supremo Tribunal Federal, o qual, nessa sua atuação cada vez mais ampla, em que ela passa a decidir cada vez mais sobre questões caras à população, estaria agindo de modo alheio à vontade popular. A esse respeito, o Ministro Luís Roberto Barroso traz uma colocação primorosa: “Não é errado nem ruim que juízes, antes de decidirem, olhem pela janela de seus gabinetes e levem em conta a realidade e o sentimento social. Porém, o STF não pode se converter em mais uma instância da política majoritária, subserviente à opinião pública ou pautado pelas pressões da mídia. O populismo judicial é tão ruim quanto qualquer outro.”

            Com efeito, o Supremo Tribunal Federal, em última análise, não trata de matérias que não sejam de alguma maneira da competência do Judiciário. A título de exemplo, como se poderia negar a natureza judiciária da questão da criminalização da homofobia, quando analisamos a nossa Constituição e verificamos que, de fato, houve uma omissão do Poder Legislativo em relação ao tema? É, afinal, a Corte Suprema a responsável pelo controle de constitucionalidade, inclusive quando se trata de inconstitucionalidade por omissão. Não é por acaso que a Lei Maior traz o instrumento da ação direta de inconstitucionalidade por omissão, em seu art. 103, § 2º.

            Portanto, fica claro que não há que se falar em judicialização da política, pois o Direito, afinal, é política, e é fundamental a atuação do Judiciário nas questões que lhe competem, dentre as quais haverá, inevitavelmente, diversas questões políticas. O Supremo Tribunal Federal, como sabemos, age somente se provocado, e são os nossos próprios atores políticos que constantemente o provocam para decidir questões que de fato dependem da interpretação normativa e que por isso hão de ser avaliadas pela magistratura, e especificamente pelo STF quando estão envolvidas as normas constitucionais. Não têm pertinência, portanto, as queixas e acusações de atuação excessiva e antidemocrática do Poder Judiciário nas questões políticas. 

Helena de Battisti Almeida

 

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