Em 2012, houve uma intensa
discussão no Supremo Tribunal Federal acerca da descriminalização do aborto
para fetos portadores de anencefalia. A doença em questão se caracteriza por
ser uma má formação do tubo neural durante o desenvolvimento embrionário que
resulta na inexistência parcial ou total do cérebro, bem como do cerebelo,
meninges e entre outros órgãos fundamentais para a evolução e desenvolvimento
humano. Devido a anencefalia apresentar um índice comprovado de 100% de óbito
para todos os casos analisados, a decisão do órgão em questão foi favorável à
realização do procedimento abortivo para tal caso, passando a ser possível
portanto que todas as mulheres que deveras tenham fetos anencéfalos e que queiram
abortar, façam a intervenção através do Sistema Único de Saúde (SUS).
De fato, o parecer
procedente do STF levantou intensos debates na sociedade brasileira, sendo
inúmeros os posicionamentos favoráveis e desfavoráveis a tal deliberação. De um
lado, parcela significativa da população se opunha baseando-se em argumentos
religiosos, alegando que todos os seres vivos seriam criação de uma divindade
superior, sendo assim inadmissível cogitar um procedimento abortivo; bem como
em argumentos focados nos direitos fundamentais do feto, destacando-se dentre
eles o direito à vida, o qual necessariamente existiria desde o princípio. Além
disso, muitos alegaram a existência de alguns raros casos em que o feto
conseguiu sobreviver por até um ano e oito meses, contrapondo-se dessa forma a
previsão médica de morte instantânea após o parto.
Por outro lado, expressiva
quantidade da população se mostrou simpatizante à decisão do STF, muitos
defendendo até mesmo a admissibilidade do aborto para todos os casos de
gravidez existentes. De fato, a decisão mais plausível na atual conjuntura do
século XXI é que ocorra a legalização do aborto, principalmente para casos como
o analisado. O poder de escolha entre perpetuar a gravidez ou decidir
interrompê-la deve caber à mãe, e à ela apenas. Inúmeros são os impactos
psicológicos e físicos que uma mulher enfrenta durante o período de gestação,
sendo que estes são infinitamente amplificados e intensificados quando se
descobre que o feto é portador de anecefalia.
O prestigiado sociólogo
francês Pierre Bourdieu afirma que é fundamental que o direito imponha-se como
uma ciência que aja de forma autônoma, evitando o seu serviço em prol das
classes dominantes, bem como conforme a pressão exercida e empregada pelas
massas. Assim, em questões de grande comoção social, tal como o aborto em casos
de anencefalia, cabe à ciência jurídica assumir seu papel autônomo e decidir de
acordo com o bem estar de quem de fato interessa, que são as mães.
A perspectiva de forçar uma
mulher a gerar um filho que jamais ultrapassará os anos iniciais de vida é
absurda por si só. Desse modo, cabe aos órgãos de máxima expressão do poder,
como o Supremo Tribunal Federal, decidir racionalmente acerca de assuntos como
o exposto, fazendo uso, portanto, da premissa pregada por Bourdieu de que
direito é ciência e ética. Logo, deve decidir conforme uma discussão racional e
não se deixar influenciar pelas emoções do grande público.
Ester Segalla dos Passos - Direito (noturno)
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