O Direito tem um papel dúbio na sociedade. Pode ser usado pelos ricos e poderosos para manter o status quo e oprimir aqueles que não têm acesso ao conhecimento da lei, ou pode ser um instrumento de mudança daquilo que aos poucos se revela extralegal. Por muito tempo a primeira opção vigorou, mas nas últimas décadas a segunda vem se tornando cada vez mais comum. Minorias sociais, as quais sempre se encontraram na periferia do sistema, estão cada vez mais cientes de seus direitos, e vêm se fortalecendo a cada dia perante os tribunais.
Em ambos os casos, contudo, o Direito foi fortemente influenciado por uma conjuntura social. Antigamente era controlado por uma série de jogos de interesse, hoje (apesar de ainda ser, também, repressor) se mostra como a principal arma de grupos minoritários que vêm se empoderando. Aí, ciências como a Sociologia, Economia, Medicina, Psicologia e muitas outras se misturaram às decisões obtidas pelo Direito, e não poderia ser de outra forma. O Direito sozinho não é detentor de todo conhecimento. Como julgar um caso específico sem conhecer seus detalhes técnicos, os quais muitas vezes só podem ser observados por outros campos do conhecimento e por suas disposições incorporadas? Como negar judicialmente a mudança de sexo no registro civil à um transexual sem consultar a biologia sobre a possibilidade de tal desejo existir? Como desapropriar toda uma comunidade carente de um terreno abandonado por ricos industriais sem considerar a situação de embate econômico ali presente, além da necessidade de uma moradia? Como negar o aborto à gestante de um feto anencéfalo sem considerar a própria função do nascimento de um bebê que certamente morrerá em menos de um dia?
O Direito, como defende Bourdieu, é atrelado à sociedade e às suas mudanças, de maneira que ele também deve se transformar para acompanhar as evoluções sociais. O Direito como ciência isolada, segundo a "teoria pura" de Kelsen, perde sua função de instrumento de mudança.
Bourdieu cita, também, a existências dos "espaços possíveis", que seriam o alcance que uma ação poderia apresentar. Muitas vezes esses espaços se mostram extremamente limitados, já que transpassá-los seria considerado um tabu. No caso do aborto de anencéfalo, por exemplo, apenas o ato de aborte é discutido. Contudo, sabemos que esse ato implica em diversas outras questões, como a disposição da mulher sobre o próprio corpo. Esse assunto, o qual é fortemente ligado às conjunturas culturais da nossa sociedade, foi deliberadamente ignorado.
Diante disso, Bourdieu defende a ampliação dos espaços possíveis e a extinção dos tabus, para que nossas discussões possam ser implementadas à atividade do Direito e este possa evoluir propriamente, acompanhando as transformações da sociedade conforme elas ocorrem. Assim, a justiça estaria mais próxima de ser, de fato, efetivada.
Laísa Helena Charleaux - 1o ano do Direito noturno
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