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quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Inovação

O Direito natural dos homens e a revolução: qual revolução?

De acordo com Norberto Bobbio "toda a tradição do pensamento jurídico ocidental é dominada pela distinção entre ‘direito positivo’ e ‘direito natural'". Ainda no período clássico, Aristóteles afirmava que o direito natural tem caráter universal e deve valer em toda parte, já o direito positivo é caracterizado pela particularidade. Alguns descrevem o direito natural como imutável, embora não seja um consenso, enquanto o direito positivo muda com o tempo. Gluck, no fim do século XVIII, afirma que o direito natural é aquele que conhecemos através de nossa razão, esse critério está vinculado a uma concepção racionalista da ética, segundo a qual os deveres morais podem ser conhecidos racionalmente. O direito positivo, ao contrário, é conhecido através de uma declaração de vontade alheia, a vontade do legislador. Os comportamentos regulados pelo direito natural são bons ou maus por si mesmos, enquanto aqueles regulados pelo direito positivo são por si mesmo indiferentes e assumem uma certa qualificação apenas porque foram disciplinados de um certo modo pelo direito positivo, sendo justo aquele que é ordenado, e injusto o que é vetado. Assim, o direito natural estabelece o que é bom, enquanto o direito positivo estabelece aquilo que é útil.

É no século XVIII que o direito natural tem os seus florescimentos mais intensos, em meio a um ambiente personalista, individualista e racionalista. Seus conceitos-base são o estado de natureza, a lei natural (concebida como um complexo de normas que se coloca acima do ordenamento positivo) e o contrato social. O direito natural estará associado ao absolutismo ilustrado em suas pretensões de reformar a sociedade e o Estado. Porém também será usado como arma no movimento revolucionário quando toda esperança de reforma do Estado pelos monarcas estiver desaparecido. Por isso, é importante entender que o direito natural seja em certos períodos tido por útil aos governantes e, em outros, tido por subversivo da ordem.

O direito natural marca a luta contra o sistema medieval de submissão à tradição e aos costumes e, sobretudo contra a ordem pré-liberal, pré-burguesa e pré-capitalista. Por isso a revolução burguesa, francesa ou americana, será travada em termos jusnaturalistas, com a invocação do direito natural como arma de combate, contra o Antigo Regime. Os juristas filósofos do direito natural terão um papel ideológico relevante no processo revolucionário porque justificarão a derrubada da tradição medieval, incorporada seja nas instituições políticas, seja na regulação privada dos negócios.

A Declaração dos Direitos dos Homens de 1789 é um exemplo da filosofia do direito natural moderno incorporada ao discurso político-jurídico:
“Os representantes do povo francês, constituídos em Assembleia Nacional, considerando que a ignorância, o esquecimento ou o desprezo dos direitos do homem são as únicas causas das desgraças públicas e da corrupção dos governos, decidiram apresentar, em solene declaração, os direitos naturais, inalienáveis e sagrados do homem, a fim de que essa declaração, constantemente atual para todos os membros do corpo social (grifo meu), lembre incessantemente os seus direitos e deveres; a fim de que os atos do Poder Legislativo e do Poder Executivo respeitem a possibilidade de serem a cada momento comparados com a finalidade de toda a instituição política; A fim de que as reclamações dos cidadãos, baseados de agora em diante sobre princípios simples e incontestáveis, tenham sempre como resultado preservar a Constituição e a felicidade de todos.”

O documento termina declarando a propriedade “um direito inviolável e sagrado”, sendo o único direito que mereceu o adjetivo sagrado no texto. Nem os negros, nem as mulheres e em muitos lugares nem mesmo as minorias religiosas ou de outra ordem conseguiram obter direitos iguais, muito especialmente de participação política. A Declaração dos Direitos dos Homens preocupou-se em garantir o direito à liberdade (sobretudo a liberdade à propriedade privada), à igualdade jurídica de todos (de todos que pudessem pagar por ela, uma vez que a burguesia estabeleceu um critério censitário de participação popular) e o direito de resistir à opressão (opressão exercida pelo clero e pela nobreza que colocava obstáculos aos interesses burgueses). Assim fica claro, que a vitória obtida na Revolução Francesa, com a ampla participação popular, foi canalizada para a burguesia, que buscou realizar seu projeto de revolução da forma menos “revolucionária” possível. Com a abolição dos privilégios feudais, dentre eles os privilégios com base no nascimento, a burguesia consegue derrubar a nobreza e conquistar a hegemonia política que lhe faltava, uma vez que já detinha o poder econômico.

Considerada a maior revolução de todos os tempos, a Revolução de 1789 se encaixa perfeitamente na definição trazida pelo dicionário: “revolução é o ato ou efeito de revolver(-se), revolucionar(-se); rebelião armada, revolta, sublevação; transformação radical de estrutura política, econômica e social, dos conceitos artísticos ou científicos.” Houve rebelião armada, vide o episódio simbólico da queda da Bastilha, revolta, ruptura da estrutura política com mudança dos status quo, e transformação radical nas esferas econômica, social e cultural. Mesmo assim, foram os interesses de um grupo em particular que foram atendidos. A burguesia criou uma estrutura capaz de lhe assegurar privilégios, e usou-se do direito natural para isso, como fica claro na Declaração dos Direitos dos Homens. Diante disso podemos nos perguntar: que revolução é essa?

Nos dias de hoje, as heranças do personalismo e individualismo do século XVIII mostram-se cada vez mais presentes. São inúmeras as “revoluções” que visam à concretização dos interesses de uma minoria, defendendo direitos particulares, que criam privilégios, e nada tem de livre, igual e fraterno. É difícil encontrar solução para uma sociedade, na qual a maioria das pessoas se mostra indiferente aos problemas que a cerca, ignorando as gritantes desigualdades que se acentuam, dia após dia. Mas preocupante ainda é ver que os seus “revolucionários” estão engajados em causas próprias, ocupando seu tempo com reinvindicações em defesa de questões isoladas. De exemplos como esses a história está cheia, já passou da hora de inovar.

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