No ano de 2009, através da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 186, o Partido Democratas (DEM) ajuizou diretamente à Suprema Corte um requerimento com o intuito de declarar inconstitucional a política de cotas implementada pela Universidade de Brasília (UNB). Pautados em uma deturpação completa da Constituição, afastando qualquer interpretação teleológica acerca do conteúdo da norma fundamental, o partido requereu, baseado na relativa abstração do texto normativo, a inconstitucionalidade de tal política. Através dos dispositivos dos Artigos 1°, 3°e 4°, a tese pretendia afirmar a política de cotas implementada para a inclusão de minorias socioeconômicas e étnico-raciais como preconceituosa e racista, ao passo que diferenciaria baseado em critérios étnicos, o processo de ingresso na universidade pública.
A priori, é imprescindível a ênfase à batalha promovida no campo jurídico dentro do espaço dos possíveis. Diante a implementação de medidas que caminham em direção contrária à noção rasa de igualdade promovida pelo constitucionalismo liberal, as elites sociais intensificaram a sua mobilização de capital social à manutenção da sua superioridade, nesse caso, através da ADPF. Com base na defesa de uma neutralidade do direito que impede o seu manuseio como mecanismo antecipatório das minorias, em forma contrária a democratização plena da sociedade, o DEM buscou afirmar a visão dominante de que há dentro do projeto delimitado pela Constituição Cidadã, a necessidade de abordagem completamente igualitária a todos os meios sociais, independentemente das incontáveis dissimilitudes entre os indivíduos.
É notória a necessidade de historicização da norma e destacar o sentido teleológico possível de ser atribuído ao texto normativo. Ao passo que a sociedade se transforma, a mutação constitucional deverá acompanhar as necessidades do presente, possibilitando transformações informais dentro do texto normativo, se altera o seu sentido, mas não seus princípios. Logo, acompanhando os objetivos fundantes da constituição, torna-se rutilante a precisão da decisão de declarar improcedente a arguição do DEM.
A Constituição de 1988 foi promulgada com intuito da defesa não apenas dos direitos de primeira dimensão, amplamente abordados pelo requerente, mas também pela proteção aos direitos de caráter social. A política de cotas busca democratizar o acesso ao ensino superior no país. Em um cenário de desigualdades sistêmicas possibilitadas por toda a história do Estado Brasileiro, a política afirmativa apenas busca administrativamente, afirmar o que os dispositivos constitucionais procuram resguardar e atingir, no caso, a democratização não apenas no tratamento perante a lei, mas no acesso a todos os serviços e campo social. Dessa forma, a historização da norma se faz necessária.
Os artigos introdutórios da Constituição não buscam afirmar um olhar cego perante as mazelas sociais e declarar apenas as igualdades necessárias àqueles que conseguem afirmar-se socialmente. Em meio a uma sociedade que criminaliza a pobreza e marginaliza as minorias étnico-raciais, o campo jurídico deve buscar a igualdade substancial entre os indivíduos, e isso passa pelo sancionamento de políticas e leis com atenção especial a pautas sociais. Seria impossível tutelar tais direitos por outra via que não seja a de Estado. Em meio a uma sociedade opressora e constantemente conflituosa, cabe aos poderes públicos o dever de arquitetar formas de acesso democrático a todos.
Vinicius Mota Corrêa de Souza - Matutino
Nenhum comentário:
Postar um comentário