A Ação Direta de Inconstitucionalidade número 6987 discorre acerca do pedido do partido político Cidadania para que, pautando-se na Constituição - principalmente no artigo 5º, inciso XLII, e no Código Penal Brasileiro, artigo 140, §3º - crime de injúria racial seja equiparado ao de racismo. Diante de tal cenário, os conflitos em questão configuram-se entre aqueles que defendem que a equiparação entre os termos é necessária - uma vez que o crime de injúria racial tem uma punição muito mais branda do que aquela do crime de racismo - e aqueles que acreditam que tal equiparação é desnecessária ou, até mesmo, incorreta. Assim, é coerente que, considerando o cenário contemporâneo social, discuta-se a ADI 6987 a partir de pensamentos filosóficos.
Em primeiro lugar, é válido utilizar-se de Bourdieu. De acordo com o filósofo em questão, o partido Cidadania defende a expansão do espaço do possível, buscando uma equiparação da injúria para com o racismo, pautando-se em interpretações de jurisprudências - casos de racismo estrutural, por exemplo - e do próprio texto constitucional e do Código Penal, para que, assim, o crime de injúria racial seja imprescritível e inafiançável, tal qual o racismo; em contrapartida, aqueles que não defendem essa visão, demonstraram-se favoráveis à manutenção do espaço dos possíveis já existente, e, inclusive, uma restrição do que poderia ser, evidenciando o conflito entre tais espaços. Além disso, o direito pretendido e, posteriormente, concedido em partes - “apenas se interpretada a conduta de ‘ofender o indivíduo em sua honra subjetiva por elemento racial’ como crime de racismo” (ADI 6987, Petição Cidadania, p.03) - evidencia a falta de racionalidade na norma até então válida, buscando, além de tal racionalidade e universalização dos direitos, a historicização da norma, visto que o Brasil é um país que tem em suas raízes o racismo estrutural, posto que foi um dos últimos a abolir a escravidão e, quando a fez, não deu suporte algum para aqueles prejudicados. Assim, de acordo com Bourdieu, a ADI 6987 busca uma maior racionalização e universalização dos direitos, almejando a ampliação do espaço dos possíveis para a população negra.
Em seguida, é válido analisar a situação de acordo com o filósofo Antoine Garapon. Segundo seus pensamentos, a ADI 6987 configura-se como uma busca de direito, visto que a ação partiu do partido político Cidadania, visando resultado para diversos cidadãos brasileiros. Assim, o direito de injúria racial ser equiparada ao racismo e, portanto, ser um crime com penas mais severas, não seria possível de ser obtido por outra via, uma vez que os outros poderes deixam “lacunas” e não objetivam superá-las, o que faz surgir a necessidade de recorrer ao Judiciário. Outrossim, a antecipação expressa na decisão parcial jurídica é possível de ser verificada quando se pensa no futuro e em outros prováveis casos posteriores a tal decisão, assim, prevendo o futuro social. Desse modo, segundo Garapon, é correto afirmar que a ADI 6987 busca uma ampliação da democracia, um aprofundamento.
Posteriormente, pode-se discutir a situação de acordo com McCann. Como propaga McCann, a mobilização do direito visa uma estratégia de ação coletiva e, na ADI 6987, é o que acontece: o partido Cidadania promove a ação pois acredita que a equiparação do crime de injúria racial com o crime de racismo é imprescindível - mesmo que a injúria seja definida contra uma pessoa só e o racismo com uma população - nos dias atuais. Essa mobilização permite que, eventualmente, novos casos sejam julgados com maior severidade, objetivando, principalmente, a punição mais rígida e que o racismo estrutural presente na sociedade brasileira (e, portanto, infelizmente enraizado, de certa forma, na cultura nacional) seja extinguido de fato. Dessa forma, é de extrema importância a ADI 6987, tanto para ocasiões futuras quanto para debates contemporâneos sociais.
Por fim, faz-se a análise segundo Sara Araújo e Achille Mbembe. De acordo com Sara, primeiramente, há a disseminação da epistemologia do norte, a qual dita a cultura mundial (e, consequentemente, a brasileira) de forma que as concepções do hemisfério norte sejam disseminadas como “corretas”, menosprezando as demais; enquanto isso, o conceito de “ecologia de saberes” evidencia a necessidade de buscar a pluralidade de saberes (e da justiça), contrapondo-se à monocultura presente no norte. Assim, a ADI 6987 busca a ecologia dos saberes ao objetivar a equiparação entre os termos supracitados, visando um maior cumprimento da lei (e da interpretação constitucional) e que essa seja mais severa na punição. Ademais, Mbembe traz diversos conceitos importantíssimos para a análise: a efabulação do negro culmina em sua desumanização, visto, corriqueiramente, como uma “coisa” e “alguém ruim”, bem como o conceito de alterocídio que propaga que o negro, nesse caso, é objetificado e visto como algo ameaçador. Diante disso, a ADI 6987 tenta romper com a visão de marginalização dos negros pautando-se nos conceitos de Mbembe e propondo, como já dito, a compatibilidade entre o crime de injúria racial com o de racismo.
Desse modo, portanto, a ADI 6987 é de extrema importância para o cenário brasileiro atual, visando mudanças positivas para, principalmente, a população negra e para toda a sociedade.
Laura Picazio, turma XXXIX de Direito, matutino.
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