A Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.277 garantiu a legalidade da união estável homoafetiva em detrimento da condição jurídica anterior, que não assegurava integralmente a igualdade à comunidade LGBT perante o restante da sociedade, majoritariamente heterossexual. Diante tal contexto, se iniciou um embate entre diferentes setores sociais no campo jurídico, onde divergentes visões seriam expostas e sob a luz do direito, haveria uma visão superada e outra vencedora.
A argumentação acerca da reprovação da união estável homoafetiva pela ala conservadora da sociedade se provou obsoleta sob a luz da igualdade material e formal. Um dos principais elementos utilizados advém do art. 226 §3º , que afirma a composição heterossexual da entidade familiar. Todavia, a hermenêutica jurídica possibilita a interpretação de tal artigo em sentido compatível com a contemporaneidade, atestando aos dois gêneros a possibilidade de formação familiar legal, não a composição heterossexual, seguindo a proposição de historicização da norma de Bourdieu, principalmente ao analisarmos o art. 5º da Constituição Federal, que promove a igualdade perante a lei genericamente. Dessa forma, se tornou possível a formação da união estável a todos os brasileiros, não apenas aos heterossexuais.
Sob a perspectiva social, a defesa conservadora pautada em princípios religiosos se prova drasticamente divergente dos princípios do estado democrático de direito e laico. Ao reconhecermos o estado brasileiro como laico, o ordenamento jurídico não deve levar em conta costumes religiosos de setores da sociedade, mesmo que majoritários. Sendo assim, a crença religiosa pautada em obras como a Bíblia jamais poderá ofertar força normativa maior que aConstituição Federal, que afirma a liberdade de expressão e a igualdade para todos.
Tal embate possibilita a compreensão do espaço dos possíveis, denominado por Bourdieu. Nesse caso, os setores reacionários da sociedade buscaram no campo jurídico, através de relativa brecha no texto normativo e de preceitos relacionados à religião e tradição, impor a visão conservadora, extremamente presente na contemporaneidade. Entretanto, o setor progressista, pautado em valores de igualdade e humanistas, superaram a tese reacionária.
Além disso, Garapon explicita a importância da presença de ideias multilaterais
no campo jurídico. Segundo o próprio, “Se a análise sociológica foca
unilateralmente o Poder Judiciário, perde-se de vista processos mais profundos e mais densos de mudança
política e social”. Dessa forma, a justiça deve atuar de forma que acompanhe o período
histórico e com o intuito de apaziguar as inúmeras tentativas de transgressões
entre grupos sociais destoantes, procurando amenizar os diferentes sofrimentos
humanos.
O autor também sugere a presença de laços hierárquicos artificiais no estado democrático, na qual o poder outrora dominado por relações de completa dominação como a estabelecida pelo poder patriarcal e colonizador são substituídas pelo controle dos magistrados e maior posse de direito concedida aos homens em geral. Logo, sob a perspectiva da ADI, é possível depreender a importância da superação de valores reacionários em prol da concessão de igualdade formal e material às minorias sociais por parte dos juízes e indivíduos.
Não se trata de ativismo judicial, mas da materialização da igualdade entre todos, expressamente afirmada pela norma fundamental. Dessa forma, caso a inconstitucionalidade da união estávelhomoafetiva fosse acolhida pela Suprema Corte, estaríamos sob grave ameaça dentro do corpo institucional à democracia, porém, as ameaças ao modelo democrático são constantes apenas no campo social, onde diariamente casais homossexuais são reprimidos de forma física e moral.
Vinicius Mota Corrêa de Souza - Matutino
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