Em princípio, vamos esclarecer que este é um caderno de anotações referente à minha pesquisa pessoal de avaliação do sumiço da sétima mulher trabalhadora da fábrica no quarteirão de minha rua. Começaremos em um ponto mais primordial: sou escritor, um velho escritor acostumado com o funcionamento mecânico de meu cotidiano. Todos os dias, ao raiar do sol, sento em minha varanda com uma xícara de café e vigio o pequeno movimento em minha rua: as mesmas sete mulheres proletárias, com suas proles em uma mão e as marmitas na outra. Porém, certo dia, assistindo a essa travessia matinal, notei o desaparecimento de uma delas, a mais nova delas.
Assim, chegamos a problemática dessa pesquisa: o sumiço da sétima. Com isso, trago aqui as considerações iniciais para o maior entendimento dessas anotações. Em primeiro ponto, decidi utilizar do método cartesiano pois pretendo chegar em uma única verdade absoluta e concreta, sem desvios de respostas ou espaços para mais dúvidas; mas também aderi ao modelo por possuir apenas um instrumento de pesquisa, aquilo que separa os homens dos demais animais: a razão universal. Em segundo ponto, essa análise leva em conta três diferentes ambientes aos quais chamaremos de universo: o universo expandido minha rua (i); o universo intermediário fábrica (ii); e o universo reduzido minha mente (iii). A partir dessas considerações, seguiremos aos levantamentos obtidos.
Segundo o método de Descartes, toda pesquisa inicia-se a partir da observação. Por mais que haja a crença de que os sentidos enganam nosso raciocínio e nos negam a descoberta da verdadeira razão, permito-me acreditar naquilo dito por meus olhos: a sétima mulher está ausente do primeiro universo (minha rua). Noto, também, que tal fato leva a ausência dela no segundo universo (a fábrica). Porém, ao observar o terceiro universo, o mais reduzido de todos (minha mente), constato sua presença em minhas memórias e questionamentos.
A partir disso, vamos ao próximo passo da construção do método científico: a formulação de hipóteses através do uso da razão. Quais acontecimentos levariam uma jovem mulher a abandonar sua rotina e seu sustento? Estaria ela doente ou apenas conseguiu condições melhores de trabalho em outro lugar? Como explicar o sumiço em apenas duas instâncias de observação (o universo expandido e o intermediário), mas sua forte presença no meio reduzido (minha mente)? Transformemos essas ideias em algo mais concreto e passível de uma análise: caso ela esteja doente ou impossibilitada de trabalhar, voltará em breve e continuará presente em todas as instâncias; caso ela tenha se mudado, se ausentará instantaneamente de dois universos (minha rua e a fábrica) enquanto sumirá aos poucos do terceiro (minha mente).
Após quatro meses do desaparecimento da sétima, trago aqui minhas constatações sobre a continuidade do funcionamento de cada universo. Por apenas o tempo poder trazer respostas às minhas duas hipóteses, procurei validar a terceira etapa do método científico a partir da averiguação dos meios de estudos - os três perderam um elemento em comum. A minha rua continuou por funcionar normalmente, as demais mulheres com seus filhos e marmitas cumpriam o mesmo trajeto todas as manhãs sem demostrar nenhuma falta da sétima. A fábrica também prosseguia suas atividades, notada pela emissão de poluentes da chaminé e pelo entra e sai dos funcionários, a retirada de um membro parece não ter alterado produtividade. Já minha mente obteve um grande empecilho em sua habitual programação. Não observar pela manhã as sete mulheres juntas gera um aparente atrapalho do funcionamento por fazer emergir uma série de questionamentos e dúvidas: a razão inerente ao homem.
A paz de minha mente veio após 6 meses do sumiço da sétima com o total antagônico da situação: a retomada da presença das sete mulheres com a prole e as marmitas. Porém, em distinção das demais ocasiões, a sétima andava agora com uma pequena criança em seus braços. Assim, não noto apenas a validação de minha primeira hipótese como registro uma alteração no segundo campo de estudos (a fábrica). Concluo, por fim, encerrando minha pesquisa, que a utilização do método científico acaba por me obrigar a tratar situações extremamente humanas e cotidianas em algo robotizado para obter uma análise; retirando toda a subjetividade presente nas relações interpessoais inerente ao homem. Em uma consideração final, como um velho membro da literatura, exijo-me concordar com os versos de Jorge de Lima:
"Mulher proletária — única fábrica
que o operário tem, (fabrica filhos)
tu
na tua superprodução de máquina humana
forneces anjos para o Senhor Jesus,
forneces braços para o senhor burguês."
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