Silente o
legislativo, coube ao STF por meio da ADO 26/DF equiparar a homofobia e a
transfobia ao crime de racismo tipificado pela Lei nº 7.716/1989 até aprovação
de lei superveniente que tipifique tal conduta.
A Carta da
República é límpida e reflete a máxima já consagrada no Codex Repressivo e cara
aos criminalistas: não há crime sem lei prévia, e lei stricto sensu,
considerado o diploma fruto do processo legiferante típico do legislativo. Entretanto,
a omissão dolosa e manifesta de um poder constituído – com forte representação de
setores esguios ao reconhecimento das pautas LGBT+ – contrariando um comando de
criminalização constitucional, não constitui, per si, uma afronta à legalidade?
Em Kelsen, cujo
apreço pelo direito posto é de comum conhecimento, a validade de uma ordem
jurídica deriva do comando constitucional que a veda, prescreve ou permite. Nesse
sentido, é forçoso deduzir que a morosidade dolosa de um poder constituído a
quem é ordenado legislar agride a ordem constitucional tanto quanto o processo
legiferante que despreza material ou formalmente as disposições da Magna Carta.
Superando essa
leitura normativista, Santi Romano postula que o ordenamento jurídico transcende
o simples depósito das normas postas, uma vez que esse ordenamento “engloba
numerosos mecanismos e engrenagens, relações de autoridade e força que
produzem, modificam, aplicam, fazem respeitar as normas jurídicas, sem se
confundir com elas” (p. 69). Nesse sentido, as normas variam sem alteração do
texto e sua aprovação, interpretação e revogação é mais o efeito do que a causa
de uma modificação substancial do ordenamento (p. 69-70) e da consciência dos
juristas, intérpretes e jurisdicionados.
Indo além, Michael
McCann aponta o impacto direto das decisões judiciais nas demandas do
judiciário. Uma decisão favorável mais que incitar novas demandas que visem
assegurar semelhante direito, dissuadem condutas que a contrariam, inclusive fora
do âmbito jurídico. Por meio dessa mobilização, o judiciário deixa de ser simples
mediador de conflitos e se transforma em espaço de interação e disputa política
e social, especialmente de grupos que não se vêm representados em mecanismos de
expressão majoritária.
Exsurge, portanto,
dessa função catalisadora de condutas e demandas de que o poder judiciário de
reveste, a legitimidade em acusar – através da ADO, medida provisória que é até
que tipificação positiva seja sancionada – a morosidade dolosa do legislativo
em criminalizar a homofobia, a transfobia e qualquer conduta ou discurso que desqualifique
ou diminua qualquer pessoa ou grupo por sua orientação sexual ou identidade de
gênero.
KELSEN, Hans.
Teoria Pura do Direito. São Paulo: Martins
Fontes, 2019.
ROMANO, Santi.
O Ordenamento Jurídico. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2008.
Discente: Genilson Faria, noturno
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