O
Artigo 5º, inciso XLI da Constituição Federal Brasileira
prevê
que
“a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e
liberdades fundamentais”. Em
2013, o Deputado
Federal Roberto João Pereira Freire, do
PARTIDO POPULAR SOCIALISTA – PPS
impetrou Ação
Direta de Inconstitucionalidade por Omissão que
demandava a criminalização específica
de todas as formas de homofobia e transfobia, alegando
que tal acolhimento pelo STF corresponderia
a um ato de dirigismo constitucional, justamente pelo conteúdo
contido no mencionado art. 5º XLI.
A
Ação alega responsabilidade civil do Estado Brasileiro em
indenizar pessoas vítimas de homofobia e transfobia, considerando
que haveria
uma proteção deficiente por parte do poder legislativo, o qual se
recusava
a votar projeto de lei para criminalização deixando as temáticas
LGBT no
que Freire considera um
limbo deliberativo. Desta
forma, a argumentação da Ação reside na necessidade de ação contra
majoritária do Judiciário, alegando que o Legislativo estaria
negligenciando as demandas da minoria parlamentar em favor de uma
maioria déspota. Assim, o princípio democrático estaria sendo
ferido e o Judiciário teria o dever de fazer jus à supremacia
constitucional, garantindo
o direito às liberdades fundamentais e à não discriminação das
pessoas LGBT.
A
problemática, que tem como causa valores culturais, religiosos e
sociais fortemente penetrados na construção histórica da
organização social brasileira, está, através de tal Ação,
buscando solução em âmbito penal. A obra McCANN, Michael. “Poder
Judiciário e mobilização do direito: uma perspectiva dos usuários” serve como base para o que está sendo aqui
discutido. A mobilização do direito como estratégia política é
ideia central do texto, e nesta Ação se tem exemplo clássico de
tal manifestação. Questiono, no entanto, se a criminalização visaria o
efetivo combate ao preconceito, com a ideia de McCANN de que a
passagem de
determinados
temas
no tribunal
se
expressaria como
ganho
de
força e legitimidade às
questões sociais,
ou se tal ação resultaria, na prática, em um aumento da população
carcerária
e alimentação do ciclo ineficaz da
pena privativa de liberdade no
Brasil.
McCANN
nos faz pensar que o Judiciário teria o poder de traçar às
pessoas
uma ignição para ação política, à medida que o
espírito da lei penetra no seio da sociedade, até mesmo nas classes
mais baixas. Entretanto,
há
que se considerar que o Brasil tem a terceira maior população
carcerária do mundo, com alto índice de reincidência, superlotação
nas penitenciárias e ineficácia de projetos de reinserção social.
Quando a este último aspecto, contraponho a ideia de McCANN
a
respeito do poder legal de legitimar
ou deslegitimar determinadas condutas e o fato concreto de que o
sistema prisional no Brasil apenas reforça a inserção das pessoas
no universo criminal e negligencia o oferecimento de perspectivas de
vida fora do crime no pós cárcere.
Diante
deste cenário, considero que o problema da LGBTfobia não seria
resolvido dentro do ambiente inquestionavelmente hostil das prisões
deste país. Sabe-se, inclusive, que os índices de estupro contra
homossexuais nas cadeias é alto, e que não há qualquer política
do conscientização das problemáticas preconceituosas nem em esfera
do cárcere, e muito timidamente na esfera social fora dele.
Pontuo
ainda que há um seletivismo penal no Brasil, que encarcera
principalmente jovens negros e de baixa renda. Sabe-se que a
LGBTfobia não é exclusiva de determinado grupo social, mas há uma
naturalização da intocabilidade das classes mais altas, que muito
provavelmente não teriam suas ações LGBTfóbicas criminalizadas
(como já te tem exemplo de manifestações públicas de preconceito
por parte de políticos, e não houve responsabilização judicial
por isso). O Estado tem, portanto, uma política exclusivamente
punitivista, e não se faz presente em atuações de base como
educação, saúde e lazer que culminariam em uma conscientização
social de respeito à diversidade. Considero assim a criminalização
uma medida de culpabilizar pessoas que nunca sentiram a presença do
Estado para sua proteção, e que vem, à posteriori, encarcerá-las,
mostrando assim sua presença. A
questão da LGBTfobia deve ser discutida em âmbito escolar, familiar
e não pode mais ser negligenciado pelo Sistema Legislativo. Além
disso, considero a urgência de se repensar o sistema prisional e as
políticas de reinserção social das pessoas encarceradas.
Carolina Juabre Camarinha. Matutino
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