Em
uma das passagens do romance O Ateneu (1888), de Raul Pompeia, o diretor
do internato homônimo ao livro, Aristarco, descobre por meio de um bilhete o
relacionamento de dois alunos, Emílio e Cândido. Tal achado gerou uma das
maiores punições vistas no colégio – os garotos foram humilhados publicamente e
sofreram castigos físicos na sala do diretor. Publicado em um momento de
transição entre o império e a república, a obra traz, pela primeira vez, um
grupo homossexual a literatura brasileira, revelando ideais e valores homofóbicos
presentes à época. Mais de cem anos após o título vir ao mundo, o Brasil
tornou-se o 43° país a criminalizar a homofobia, revelando o atraso vivenciado em
nossa nação, na qual muitos ‘’Aristarcos’’ ainda encontram espaços para disseminar
seus preconceitos.
No
dia 13 de junho de 2019, o Plenário do STF julgou a ADO 26 / DF, relatada pelo
ministro Celso de Mello, e o MI 4733 de relatoria do ministro Edson Fachin. Por
maioria, foi decidido que as condutas homofóbicas e transfóbicas se enquadram nos
crimes previsto pela Lei n° 7.716/2018. Entre os votos favoráveis a procedência
dos pedidos, destaca-se o da Ministra Carmen Lúcia. Segundo a togada, a inércia
do legislador brasileiro mostra-se evidente e inconstitucional, haja vista as
recorrentes violências direcionadas a sociedade LGBT, culminando em inúmeras
mortes a cada ano. Ainda, a magistrada destaca a necessidade da plenitude dos
direitos fundamentais previstos na Constituição Federal, fazendo-a valer na
realidade prática dos cidadãos. Por outro lado, o Ministro Marco Aurélio não
deu procedência as ações, negando o mandado de injunção e dando procedência
parcial a ADO. Segundo o juiz, o MI não é um instrumento processual adequado a
ser utilizado em tal hipótese. Além disso, para o ministro, não houve omissão
do legislador quanto à criminalização da homofobia. Ademais, o togado pontuou a
não possibilidade de ampliação da Lei do Racismo, devido a taxatividade dos
delitos expressos na mesma. Por fim, Marco Aurélio destacou a própria sinalização
do STF para a necessária proteção dos grupos em questão como contribuição para o
surgimento de uma cultura livre de preconceitos.
O
advogado e professor americano Michael McCann, em seu estudo Poder Judiciário
e mobilização do direito: uma perspectiva dos ‘’usuários’’, traz a
mobilização do direito como estratégia de ação coletiva. Segundo o autor, a
mobilização do direito constitui-se como as ações de indivíduos e grupos, a fim
de realizar seus interesses. Assim, os tribunais passam a ver os usuários como sua
essência, tornando o direito um recurso de interação política e social. Além
disso, o advogado ressalta a não participação dos Tribunais na definição de ações
judiciais dos cidadãos, contudo, reconhece a atuação ativa dessa instituição na
delimitação de um panorama concernente as demandas judiciais em curso dos usuários.
Ainda, para o professor, a
universalidade das instituições jurídicas, fazendo valer aos cidadãos seus
direitos, é uma garantia fundamental, e funciona como indicador do vigor democrático
de uma sociedade, bem como a capacidade das autoridades jurídicas de gerar atividade
judicial em defesa dos direitos é uma medida de vitalidade.
Dessa
forma, a inércia do Legislador frente a proteção e garantia dos direitos as
pessoas da comunidade LGBT mostra-se evidente. Portanto, a intervenção do STF apresenta-se
totalmente necessária, e acima de tudo, legítima. Como bem posto pelo McCann,
os tribunais devem participar ativamente nas demandas judiciais da sociedade, logo,
cabe perfeitamente a tais instituições abraçar as mudanças de pensamento
desenvolvidas pela coletividade, sinalizando-as aos setores legislativos quando
os mesmos mostrarem-se omissos.
Luan Mendes Menegão - 1° ano - Direito Matutino
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