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quinta-feira, 26 de setembro de 2019

O necessário protagonismo dos tribunais


Em uma das passagens do romance O Ateneu (1888), de Raul Pompeia, o diretor do internato homônimo ao livro, Aristarco, descobre por meio de um bilhete o relacionamento de dois alunos, Emílio e Cândido. Tal achado gerou uma das maiores punições vistas no colégio – os garotos foram humilhados publicamente e sofreram castigos físicos na sala do diretor. Publicado em um momento de transição entre o império e a república, a obra traz, pela primeira vez, um grupo homossexual a literatura brasileira, revelando ideais e valores homofóbicos presentes à época. Mais de cem anos após o título vir ao mundo, o Brasil tornou-se o 43° país a criminalizar a homofobia, revelando o atraso vivenciado em nossa nação, na qual muitos ‘’Aristarcos’’ ainda encontram espaços para disseminar seus preconceitos.
No dia 13 de junho de 2019, o Plenário do STF julgou a ADO 26 / DF, relatada pelo ministro Celso de Mello, e o MI 4733 de relatoria do ministro Edson Fachin. Por maioria, foi decidido que as condutas homofóbicas e transfóbicas se enquadram nos crimes previsto pela Lei n° 7.716/2018. Entre os votos favoráveis a procedência dos pedidos, destaca-se o da Ministra Carmen Lúcia. Segundo a togada, a inércia do legislador brasileiro mostra-se evidente e inconstitucional, haja vista as recorrentes violências direcionadas a sociedade LGBT, culminando em inúmeras mortes a cada ano. Ainda, a magistrada destaca a necessidade da plenitude dos direitos fundamentais previstos na Constituição Federal, fazendo-a valer na realidade prática dos cidadãos. Por outro lado, o Ministro Marco Aurélio não deu procedência as ações, negando o mandado de injunção e dando procedência parcial a ADO. Segundo o juiz, o MI não é um instrumento processual adequado a ser utilizado em tal hipótese. Além disso, para o ministro, não houve omissão do legislador quanto à criminalização da homofobia. Ademais, o togado pontuou a não possibilidade de ampliação da Lei do Racismo, devido a taxatividade dos delitos expressos na mesma. Por fim, Marco Aurélio destacou a própria sinalização do STF para a necessária proteção dos grupos em questão como contribuição para o surgimento de uma cultura livre de preconceitos.
O advogado e professor americano Michael McCann, em seu estudo Poder Judiciário e mobilização do direito: uma perspectiva dos ‘’usuários’’, traz a mobilização do direito como estratégia de ação coletiva. Segundo o autor, a mobilização do direito constitui-se como as ações de indivíduos e grupos, a fim de realizar seus interesses. Assim, os tribunais passam a ver os usuários como sua essência, tornando o direito um recurso de interação política e social. Além disso, o advogado ressalta a não participação dos Tribunais na definição de ações judiciais dos cidadãos, contudo, reconhece a atuação ativa dessa instituição na delimitação de um panorama concernente as demandas judiciais em curso dos usuários.  Ainda, para o professor, a universalidade das instituições jurídicas, fazendo valer aos cidadãos seus direitos, é uma garantia fundamental, e funciona como indicador do vigor democrático de uma sociedade, bem como a capacidade das autoridades jurídicas de gerar atividade judicial em defesa dos direitos é uma medida de vitalidade.
Dessa forma, a inércia do Legislador frente a proteção e garantia dos direitos as pessoas da comunidade LGBT mostra-se evidente. Portanto, a intervenção do STF apresenta-se totalmente necessária, e acima de tudo, legítima. Como bem posto pelo McCann, os tribunais devem participar ativamente nas demandas judiciais da sociedade, logo, cabe perfeitamente a tais instituições abraçar as mudanças de pensamento desenvolvidas pela coletividade, sinalizando-as aos setores legislativos quando os mesmos mostrarem-se omissos.

Luan Mendes Menegão - 1° ano - Direito Matutino

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