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terça-feira, 14 de novembro de 2017

TEXTO SEMANA JURÍDICA




O Direito diante das metamorfoses do mundo do trabalho
 O mundo do trabalho é marcado por constantes mudanças na medida em que é orientado pelos rumos seguidos pela globalização crescente. O modo de produção capitalista, no qual se busca a acumulação de lucro o mais rápido possível, estimula a criação de novas formas de trabalho e transformações profundas nas suas condições. Essas novas formas de organização surgem para perpetuar a exploração da classe operária, cada vez com mais força. Exacerba-se, com isso, a exploração do trabalho pelo capital, o que se observa por diversas formas de precarização das relações de trabalho, flexibilização das relações trabalhistas, desregulamentação dos direitos trabalhistas, aumento do desemprego e do trabalho informal, entre outros. Essas circunstâncias marcam a realidade do mundo do trabalho nos dias de hoje. O Direito, nesse contexto, acompanha tais transformações e serve como instrumento daqueles que detêm o poder para alterar legislações e criar mecanismos jurídicos que possibilitem as metamorfoses do mundo do trabalho. Demonstra, assim, papel essencial nas transformações vivenciadas na realidade do trabalho no Brasil.
            Um exemplo da atuação do Direito nas mudanças constantes no mundo do trabalho se faz com o recente debate acerca da Reforma Trabalhista, proposta pelo governo e que entrou em vigor no último sábado (11). É defendida como uma forma de colocar as contas públicas em ordem, estimular a economia e criar empregos. As novas regras alteram a legislação atual e promove mudanças em pontos como jornada de trabalho, férias e relação com sindicatos, levando à alteração de mais de 100 artigos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Observa-se, como elucidado pela doutora Patrícia Maeda, Juíza do Trabalho Substituta em Jundiaí, que a reforma trabalhista, apesar de apontar para a importância de uma “flexibilização do direito do trabalho”, acaba por reduzir ou destruir direitos trabalhistas e não flexibilizar de fato. Não houve, como se afirma, um aumento de empregos com tal flexibilização. Ao alterar uma série de dispositivos de extrema relevância no mundo do trabalho sem um amplo debate com a sociedade e com a classe trabalhadora, há uma perda de benefícios e precarização das relações de trabalho. A reforma, com isso, se mostra incompatível com o projeto de nação, isto é, os objetivos declarados pela Constituição Federal, como erradicar a pobreza, diminuir a desigualdade, promover o bem de todos, entre outros.
            Entra no debate acerca da reforma trabalhista, ainda, a nova lei da terceirização, capaz de transformar as relações de trabalho no Brasil. A terceirização consiste no processo pelo qual uma instituição contrata outra empresa para prestar determinado serviço. É uma prática que vem se difundido amplamente com o avanço do capitalismo e, no caso do Brasil, havia restrições para esse fenômeno para as denominadas “atividade-fim” da empresa, ou seja, sua função principal, podendo ser contratados funcionários terceirizados apenas para as “atividades-meio”, como segurança, limpeza, etc. Com a nova lei, essa restrição acaba e fica permitida a terceirização de qualquer atividade em todos os setores da economia. A causa do aumento da terceirização no Brasil e no mundo está relacionada com a redução dos custos com o funcionário, visto que há diminuição dos gastos com direitos trabalhistas, problemas de segurança do trabalho, etc. Os defensores do projeto alegam, ainda, que isso diminuiria a informalidade, um dos maiores problemas da atualidade no país, e asseguraria a empregabilidade dos trabalhadores, gerando mais empregos e mantendo o padrão salarial. Destacam-se, também, como argumentos favoráveis à terceirização, como foi discutido pelo professor da USP Jair Aparecido Cardoso, a descentralização da produção, capaz de tornar a empresa mais enxuta e, portanto, mais viável, além da melhora da qualidade do produto final e da arrecadação de tributos. Alega-se, ainda, que os direitos trabalhistas são mantidos e que é importante ter em mente que a terceirização não é proibida por lei.
            No entanto, é preciso ressaltar, como lembrou Patrícia Maeda, que a terceirização, apesar de ser uma realidade social em expansão, não é um fenômeno novo e em tempos passados, em seu surgimento, já se mostrava uma prática perigosa. Observava-se que existir um intermediário entre o trabalhador e o empresário só agravava o nível da exploração, consistindo numa forma persistente de exploração da forca do trabalho sob o argumento de ganho de produtividade. Argumenta-se que a regulamentação da contratação de qualquer tipo de serviço terceiro fragiliza os direitos trabalhistas e reduz os salários, visto que uma empresa poderia demitir funcionários contratados sob o regime CLT e contratar empresas terceirizadas com remuneração e benefícios menores. Pesquisas mostram que os funcionários terceirizados recebem, em média, 27% a menos que os empregados diretamente contratados e que desempenham a mesma função, além de terem uma jornada de trabalho 7% maior. Chama a atenção, além da precarização das condições de trabalho, uma possível elevação do trabalho análogo ao escravo com a terceirização irrestrita. Estudos realizados pela Unicamp revelam que a maioria absoluta dos trabalhadores resgatados dessas condições eram contratada por empresas terceirizadas.
            O Direito atua para acompanhar as transformações do mundo do trabalho, também, na proposta de Reforma da Previdência, a partir da PEC 287/16, que aguarda ser colocada em votação entre os deputados. A previdência pode ser tida como a possibilidade ou não da existência digna quando se aposenta. Trata-se, com isso, do futuro, mas que pode ser algo próximo e por isso merece grande atenção. O discurso oficial do governo, aliado com o do relator Arthur Maia, é o de que “super aposentadorias” são responsáveis pelo déficit do sistema previdenciário e que, para resolver isso, é preciso reforma. Isso se mostra falso na medida em que a média das aposentadorias no Brasil é baixa e o critério de déficit/superávit não é o mais adequado para medir a sustentabilidade de um sistema previdenciário, no entender do Presidente da UNAFISCO, Kleber Cabral. Entre as mudanças de maior relevância propostas pela reforma, estão o aumento da idade mínima para se aposentar, que passa a ser de 65 anos para o homem e 62 para a mulher. Isso é feito visando a convergência internacional, equiparando-se aos padrões internacionais em que a média nos países da OCDE é de 65 anos. No entanto, desconsidera que a expectativa de vida no Brasil, de 75 anos, é muito menor que nesses países, 81,2 anos. Ainda é preciso considerar o fator Hale, segundo o qual a expectativa de vida com saúde, antes de apresentar problemas, no Brasil é de 65,5 anos e nos países desenvolvidos é de 71,5 anos, o que significa que aqui as pessoas viveriam em média 6 meses apenas com saúde após se aposentar. Outra mudança seria passar o tempo de contribuição, que era de 15 anos, para 25. Esse tempo, diferente do tempo de serviço, considera apenas os meses em que de fato há contribuição, e considera-se que a cada 1 ano trabalhado, tem-se de contribuição apenas 6 ou 7 meses, o que exigiria cerca de 50 anos trabalhados para que se atingisse os estipulados 25 anos de contribuição.
Como salientou a Professora Julia Lenzi, especialista em Direito do Trabalho, a expectativa de vida da classe trabalhadora periférica e pobre, que consiste em 80% dos trabalhadores do país, é muito baixa, e o Estado não se responsabiliza com políticas sociais para essa parcela da população. Isso significa que, em geral, esses trabalhadores vão morrer sem se aposentar, o que é extremamente preocupante. Outra mudança relevante da reforma previdenciária é a redução da pensão por morte para 10 anos. Atualmente a pensão é de 100% da aposentadoria do falecido, mas a PEC propõe que seja alterada para 50% mais uma cota de 10% para cada dependente. A mudança mais drástica, porém, está na proibição da acumulação de benefícios como a aposentadoria e pensão, o que impede que uma mulher aposentada, após a perda do marido, receba também a pensão deste, sendo obrigada a escolher um benefício. Isso é preocupante na medida em que provoca uma redução da renda familiar, tendo em vista que em muitas famílias pobres o sustento é proveniente do conjunto da aposentadoria com a pensão, que mesmo juntos não somam uma quantia de grande expressão. Com tudo isso, a redução da pensão chega de 40 a 60% e ofende, segundo Kléber Cabral, o princípio da proporcionalidade. Conclui-se, com essa proposta, que quando se retiram direitos sociais sem uma atuação eficiente na cobrança dos grandes devedores, no combate à sonegação, na retirada de benefícios fiscais ineficientes, no fim da extinção da possibilidade dos crimes tributários, quem pagará o preço não serão os grandes empresários, mas sim a grande massa de trabalhadores urbanos, rurais e do serviço público.
Entra em debate no que diz respeito às metamorfoses do mundo do trabalho a questão da saúde e segurança. A saúde do trabalhador é algo de grande complexidade, que exige compreensão de como se dá a organização do trabalho, a duração das jornadas, tipo de atividade, produtos manipulados, etc. É preciso conhecer o processo de trabalho em sua totalidade para se estudar a saúde. É necessário, de acordo com a doutora Vera Lúcia Navarro, compreender a realidade concreta da qual o Brasil faz parte e estudar o processo histórico da industrialização no Brasil para entender a evolução do trabalho e a situação de hoje. O desenvolvimento tardio e subordinado do capitalismo e industrialização no país trouxe consequências, em especial no que se refere à exploração da força de trabalho, até os dias de hoje. É responsável também pelo agravamento da desigualdade social e marginalização da classe trabalhadora periférica. Num passado mais recente, cabe citar as inovações trazidas pela década de 1990, com a reestruturação produtiva e advento da microeletrônica. A automatização do trabalho teve influência direta na saúde do trabalhador, havendo mudança no perfil das doenças, como um aumento na ansiedade e depressão em virtude da pressão sofrida.
Conclui-se, com todas as discussões envolvendo o Direito e o mundo do trabalho, que este passa por intensas transformações e o Direito funciona como ferramenta para promover boa parte dessas mudanças, acompanhando o desenvolvimento de novas formas de trabalho e servindo como aliado para aqueles que detêm o poder de transformar legislações trabalhistas. Com a situação atual, em especial com o avanço de propostas como a Reforma Trabalhista, a Nova Lei da Terceirização e a Reforma da Previdência, observa-se uma tendência para a diminuição de direitos trabalhistas até então garantidos e a precarização das condições de trabalho em especial da massa trabalhadora periférica e pobre, o que é feito sob o argumento de redução de gastos e sempre visando o lucro fundamental no modelo de produção capitalista. No entanto, faz-se essencial o acesso ao trabalho em condições dignas a todos os trabalhadores, visto que somente isso é capaz de assegurar a manutenção do vínculo social e emancipação social do trabalhador. Assim, num contexto de fragmentação, degradação e exclusão social decorrentes da crescente exploração do trabalho pelo capital, é necessário buscar alternativas ao trabalho humano como forma de inclusão social e efetivação da dignidade da pessoa humana. O Direito, nesse sentido, é capaz de exercer papel transformador.

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