Reconstrução e preservação da perspectiva social do Direito
Na última
semana, alunos e profissionais do direito foram convidados à refletir na XXVIII
Semana Jurídica da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Universidade
Estadual Paulista, campus de Franca, cujo tema abordado foi “Reformas
Trabalhista e Previdenciária”. Desse modo, o propósito não foi a simples
explanação, mas uma leitura crítica das reformas, a fim de perceber seus problemas e
consequências futuras ou, como salientado pela Juíza do Trabalho Dra. Patrícia
Maeda, a fim de buscar uma reflexão para
“reconstrução do direito do trabalho”.
A
terceirização – que não é ideia nova, mas existe desde nascimento do
capitalismo como agravante da exploração e, no Brasil, surge em plena ditadura
no campo da administração pública – foi o grande foco da primeira noite, onde,
desde o início, algumas falácias que orientaram a nova lei da terceirização,
como a ideia de que poderia aumentar a quantidade de empregos, foram
desmistificadas. Pudemos concluir, orientados pela Dra. Maeda, que a tão
prometida “flexibilização”, a qual adaptaria o trabalho à necessidade de cada
trabalhador, não passa, infelizmente, de um “eufemismo que significa reduzir
direitos”. Ora, é verdade que faltou e falta um amplo debate com a sociedade,
pois o princípio da proteção, que visa combater tanto a desigualdade social
quanto a material, é de grande necessidade frente à luta pelos direitos dos
trabalhadores. Afinal, é inaceitável que os objetivos da Constituição continuem
abandonados pela realidade.
Ora, que se
verifique os dados que demonstram uma relação direta entre a terceirização e o
trabalho em condição análoga à escravidão, percebe-se que quase 90% dos
resgatados estavam em condição de terceirizados. Ademais, são consequências da
terceirização: a dupla apropriação do resultado do trabalho do trabalhador; a
redução salarial; a dificuldade de execução de créditos trabalhistas (pois as
empresas desaparecem após falirem); enfraquecimento dos sindicatos; a
“invisibilização” no local de trabalho e jornadas de trabalho mais exaustivas,
exigentes e perigosas. Contudo, o professor da USP Dr. Jair Cardoso ressalvou que
o que temos é um "fenômeno social da terceirização normatizado em favor do
capital" do modelo neoliberal (o qual tem por objetivo precarizar o trabalho) e
não uma nova lei, pois, em sua visão, a norma jurídica não cria nem transforma,
mas regulamenta um fato existente. É por isso que tratamos de questões
delicadas, no sentido de que precisamos refletir sobre o fenômeno social com
base na dignidade da pessoa humana, pois não há, segundo o professor, uma
resposta pronta este problema. Enquanto o Estado deve terceirizar, pois deve
ser enxuto e leve, também deve-se dar segurança e pensar na proteção do
trabalhador como um todo, inclusive em seu descanso.
Quanto à
Reforma previdenciária, tem-se uma infelicidade inicial pela PEC ter sido uma
proposta exclusivamente da equipe econômica do governo Temer, isto é, nenhum
profissional da área do direito foi convocado. Dessa forma, na medida em que qualquer
mudança nesta geração impacta no gozo de direitos sociais de gerações futuras,
devido ao rigor constitucional de uma PEC, a probabilidade de recuperar nosso
patamar protetivo constitucional (inicial), segundo a professores Julia Lenzi,
será praticamente inexistente segundo o que temos como tendência histórica. Ou
seja, tem-se buscado extinguir qualquer perspectiva de direito social
previdenciário para reduzi-la a um mero seguro social. Seguro este que excluirá,
de acordo com o IBGE, 80% da classe trabalhadora.
Primeiro, foram abordadas as falácias desta reforma, como a
de que as “Superaposentadorias” é que estariam comprometendo a estabilidade da
previdência. Ora, foi apresentado na Semana Jurídica o chamado teto
previdenciário, equivalente a 5.000 reais, onde, então, estariam essas
superaposentadorias? Além disso, outro dado importante é de que 92% dos
benefícios previdenciários tem valor de até 3 salários mínimos, apenas. Mesmo
assim, afirma a professora Lenzi que a previdência sustenta a economia dos
pequenos municípios. Mais precisamente, 70% dos municípios brasileiros. Dessa
forma, o que é repassado a título de
benefícios previdenciários supera o que é repassado pelo fundo de
participação dos municípios. Há também a questão do conceito de sobrevida.
Diz-se que expectativa de vida no Brasil é de 80 anos, mas esta estatística
apenas tem por base pessoas que já completaram 50 anos, cuja chance de alcançar
alta idade é grande, de forma que a sobrevida cresce mais do que a expectativa de
vida, e sua utilização no caso, portanto, é um erro. Na realidade, pessoas,
sobretudo negras, morrem antes dos 50 anos, quer dizer, elas morrerão sem
receber qualquer benefício.
Entretanto, mesmo para as pessoas que os receberão, o modelo
misto – para o qual não basta idade mínima (65 e 62), como é necessário, também,
tempo mínimo de contribuição de 25 anos (contabilizados apenas os meses de
efetiva contribuição ao INSS) – garante apenas 70% do
salário de benefício, o que significará, para a maioria, 1 salário mínimo. Para
que se obtenha 100%, deve-se ter uma contribuição de 40 anos, mais idade
mínima. Além disso, benefícios de pensão e aposentadoria superiores a 1 salário
mínimo não serão acumulados, apenas se os dois foram exatamente equivalentes a
1 salário mínimo. Mais uma vez, orientados por Lenzi, verificamos um ferimento
ao princípio seguritário, pois as origens distintas dos benefícios deveriam
garantir sua acumulação.
Por fim, está claro tanta reforma trabalhista como reforma
previdenciária foram e são pouco debatidas no Direito, por isso a importância fundamental
de eventos, como a XXVIII Semana Jurídica, que coloquem estes assuntos em pauta.
Principalmente devido à feliz possibilidade do Direito ser usado para promover
mudança social, o que só ocorre se garantirmos sua perspectiva social e combatermos as soluções liberais, as quais não
são novos arranjos, mas tentativas de eliminar obstáculos ao mercado, isto é,
fazer o direito retroceder e o capital avançar, pois, infelizmente para os
trabalhadores, “a engrenagem precisa ser girada”.
Diogenes Spineli Soares Filho, 1º ano, Direito Noturno.
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