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domingo, 25 de maio de 2025

Autuamento Autorizado da Alteridade

Quando se lê sobre o racismo, especialmente em sua gênese nas agressões coloniais, um fenômeno que data no século XVI, muito perturba o questionamento: o que pensaram as nações europeias se reconhecendo como autoridades que podiam infringir a soberania, sociedade e vida alheias a tal ponto?

Se o ilustre pensador do preconceito racial, Sílvio Almeida, nomeia sua obra referencial como "Racismo Estrutural", nada mais justo ou importante que buscar uma perspectiva de autoridade capaz de evidenciar o inquietante resquício desta autorização. Esta seria a sociologia compreensiva de Max Weber.

Em primeiro lugar, o que a autoridade para esse sociólogo? Deve-se vê-la como: a) legitimada por uma cultura, b) usuária desta legitimidade para a dominação, c) dominante à medida que expressa poder e, por fim, d) poderosa pelo fato de expressar ou censurar uma ação social. 

Em outras palavras, a autoridade é aquela em que devém o poder em delimitação de poder algo de modo consensual ao seu imperativo. Eis aí a autoridade, o que é autorizado a autorizar, a legitimidade que tece a delicada teia da verossimilhança. 

Para isso, deve-se analisar mais profundamente o trabalho weberiano. A dominação, ou materialização da autoridade legítima, se diferencia em três moldes da cultura: a dominação tradicional, — baseada nos preceitos clássicos de obediência ao legitimado pelo divino (os pais ou os senhores, tal qual os termos referenciais às divindades, especialmente a católica) — dominação carismática, — do sedutor político legitimado pelos desejos do povo, volições que promete materializar, expectativa possível somente pelo prazer que tal figura acolhedora já carrega em sua estética atraente ou performance manipulatória — e, por fim, a dominação racional-legal. Esta última é conceituada enquanto não apenas o molde contemporâneo, ou moderno, de atuação do Estado, mas como o único racional (ou não-mítico).

Finalmente, atinge-se o implícito e importantíssimo detalhe da autoridade da época de Weber com a sua subsequente opressão imperialista: a cientificidade positivista, a mitologia moderna. Se, em primeira análise, a autoridade racional-legal, parte da "pura técnica" e da burocracia, e é reconhecida como uma oposição ao místico ou subjetivo das outras duas formas de autoridade, noutra análise, mais aprofundada, essa oposição já não é tão mais firme. Isso pois, essa diferenças das raças, dos climas e demais "objetivas" atrocidades, que hoje são entendidas como pseudociência, vem da crença absoluta em uma ciência, negada em sua afirmação acrítica e arbitrária. 

Deriva, então, a triste razão da força da autoridade no caso: trata-se de um discurso que se fez entendido pelo colonizador, e que se fez entender o colonizador. Uma vez legitimado, numa hierarquia aparentemente técnica, derivada das "leis naturais ", a autorização apareceu menos como direito e mais como um dever. Deus clamava pela ação, como obrigação e horizonte de castigo, a própria ciência, assim se entendeu, tanto por vontade e por alienação, ordenava a atitude. Daí se reconheceu o europeu como ser autuário, um "destino manifesto" da técnica, uma luta "em nome da ciência". 

Portanto, perante a própria composição da autoridade, o europeu "se coagiu" a coagir o outro, quando reconheceu uma convicção enquanto "lógica, um pedido da própria natureza ou universo", uma "vontade da própria razão", envergonhadamente abraçando seus próprios interesses. Dessa tragédia paira uma autoridade consolidada no senso comum e na ação dos Estados, tanto "metrópole" como "colônia", a ridícula neutralização de movimentações que outrora quase abertamente racistas, agora abraçadas enquanto técnico ou factual.

Dessa maneira, defende-se o conceito de Sílvio Almeida de racismo estrutural quando apreende-se de Max Weber que a cultura molda a economia e a política, porque, conforme o pensador brasileiro, "dito de modo mais direto: as instituições são racistas porque a sociedade é racista." Ou seja, a autorização parte antes da estrutura da sociedade, mais que das instituições, parte das próprias pessoas, parte da tal estrutura da razão, da "estrutura absoluta" da ciência, da estrutura técnica que denotava a autoridade racional-legal. Por fim, não somente se fez como se faz do colonialismo até o não-reconhecimento de pessoas por sua racialização, em uma autorização resultante de todos, de um perturbador consenso de atitudes que, se derruba ou impacta, é porque antes apresenta uma representação horripilante do homem. 

Eis a radicalidade de Weber ao discordar com Auguste Comte e Émile Durkheim, expor não o indivíduo como coagido ou consequente de uma sociedade sem valores ou doente, mas concebê-lo enquanto aquele que age e molda a sociedade pela ação social, toda vez que a sociedade aparenta estar "errada", "corrompida" ou "doente", fala-se antes daqueles que a constroem. 

A autuação, a punição, é autorizada e efetuada por nós, sujeitos, cidadãos, humanidade, cerceia-se o outro enquanto atribui-se esta censura também ao outro, como se a atitude da instituição racista não fosse antes a sintetização de toda uma sociedade com população que endorsa ou se indifere ao racismo.


Henrique Pinheiro Campanella, 1º Ano do Curso de Direito (Matutino)

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