O conceito de autoridade é central na teoria sociológica de Max Weber, que a define como a probabilidade de encontrar obediência dentro de um grupo específico a ordens que se pretendem legítimas. Weber distingue três tipos ideais de autoridade: a tradicional, a carismática e a legal-racional. Esta última, característica das sociedades modernas, fundamenta-se na crença na legalidade das normas e na legitimidade dos que ocupam cargos institucionalizados. No entanto, a aplicação concreta da autoridade legal-racional pode revelar distorções quando confrontada com estruturas sociais marcadas por desigualdades históricas, como o racismo. Nesse sentido, a reflexão proposta por Silvio Almeida, em seu livro “Racismo Estrutural”, oferece uma crítica essencial à forma como o exercício da autoridade, mesmo quando formalmente legítimo, pode reforçar sistemas de dominação racial.
A teoria de Weber sobre a dominação legal-racional pressupõe um sistema impessoal, regulado por normas abstratas que orientam a atuação dos agentes públicos. No entanto, Silvio Almeida demonstra que as instituições modernas estão atravessadas por estruturas racistas que produzem efeitos concretos na forma como as normas são interpretadas e aplicadas. O racismo estrutural, conforme definido por Almeida, não se manifesta apenas por meio de atos discriminatórios individuais, mas opera como um sistema que organiza relações sociais, econômicas e políticas de maneira racializada. Dessa forma, mesmo o exercício da autoridade que se apresenta como neutra ou técnica pode servir para sustentar relações de desigualdade racial.
A atuação das forças de segurança pública no Brasil é um exemplo ilustrativo da articulação entre autoridade legal-racional e racismo estrutural. Casos como a operação policial no Complexo da Penha, em 2022, que resultou na morte de 25 pessoas, evidenciam a seletividade com que a violência estatal é dirigida. Embora formalmente legitimada por normas legais e decisões institucionais, a ação foi amplamente criticada por organizações de direitos humanos devido à sua desproporcionalidade e ao perfil racial das vítimas. A autoridade policial, neste caso, não se apresenta como neutra, mas como um mecanismo de perpetuação da lógica racializada de exclusão e eliminação.
A dominação legítima, nos moldes weberianos, pressupõe a aceitação do poder por parte dos dominados. Essa aceitação, entretanto, não se constrói apenas em torno da crença na legalidade, mas também por meio de construções históricas e culturais. Nesse sentido, a autoridade tradicional — baseada em costumes, heranças e valores históricos — também contribui para a naturalização da violência contra a população negra. A associação entre negritude e periculosidade, presente no imaginário social brasileiro desde o período colonial, continua a orientar práticas institucionais, inclusive na forma como a autoridade do Estado é exercida e justificada.
A leitura crítica proposta por Silvio Almeida permite compreender que a autoridade estatal, especialmente em sua forma legal-racional, não está imune às estruturas de dominação racial. Pelo contrário, quando exercida em contextos marcados por desigualdade racial, essa autoridade tende a se converter em instrumento de reprodução do racismo, ao mesmo tempo em que se sustenta na aparência de legalidade e neutralidade. Weber oferece as ferramentas para entender os fundamentos da dominação legítima; Almeida mostra os limites dessa legitimidade quando ela se articula com um sistema estruturalmente desigual.
Assim, a análise da autoridade à luz do racismo estrutural revela a necessidade de revisar criticamente os pressupostos de legitimidade nas sociedades contemporâneas. Em vez de considerar a autoridade legal-racional como naturalmente neutra, é preciso compreender como ela pode ser moldada por estruturas sociais injustas, exigindo reformas institucionais e políticas públicas comprometidas com a equidade racial.
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