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quarta-feira, 30 de novembro de 2022

 

A ADI 6987 trata de injúria racial como não racista ser um crime de racismo ser considerada um crime de racismo, uma vez que não ter essa concepção seria ignorar o contexto histórico que o Brasil tem. Essa história da raça perpassa tempos desde a época imperial, e colocar a norma nos resultados de toda opressão vinda da dominação europeia e do processo de colonização entra no conceito de Bordieu de historicizar a norma.

Dentro do espaço dos possíveis, que também é onde há a própria distorção dos termos e daí causa um problema para com a pena do crime, a legislação não interpreta como racista a injúria racial, pois foca-se somente na questão interpretativa textualista, fora perspectiva histórica. Por isso, a racionalização do direito caracterizou-se com a demanda social (diversos grupos do movimento negro) de uma mudança no paradigma da hermenêutica para que o tema em questão abranja a concepção histórica, uma vez que direito sem história é apenas um conjunto de normas vazias.

Nesse sentido, a magistratura do sujeito vem dessa racionalização pela evocação do direito de reconceitualizar um termo devido às diversas problemáticas geradas pelo termo estar numa forma fora do contexto histórico social, e por conseguinte, o direito não acompanhou o avanço social. Ao Mobilizar o direito para acompanhar a história, os movimentos negros trazem a percepção de que há racismo estrutural, que por ser imperceptível desconsidera falas e atos que são, na verdade, de cunho racista.

Dado isso, a mobilização do direito através da ADI modificou o contexto para lutas posteriores no sentido certos tipos de atitudes racistas passaram a ser entendidas como tal pelo direito, conforme o exemplo do Habeas Corpus 154.248 que impenetrado para retirar a autora às penas de multa e corporal, que fora negado com a justificativa de mutação nos parâmetros de interpretação do que é racismo, uma vez que a injúria racial entra na concepção de racismo, a consequência desse silogismo é a penalização da autora do Habeas Corpus.

Por fim, em ambos os julgados se observa a presença de uma monocultura do saber ao não considerar uma vivência histórica das raças consideradas como minorias desde a colonização, e somente considerar o lado europeu e conceder o Habeas Corpus por um ato de racismo. Contudo, ecologia dos saberes se contrapõe essa ideia também no julgado uma vez que se evoca as concepções dos movimentos negros e até mesmo do LGBT.  

Portanto, a desumanização faz parte de um contexto de ofensa a um individuo por fatores sociais e até biológicos, em que se ignora saberes dele, e traz uma analogia de que ele não é racional em nenhum sentido, parte da característica humana, assim como pregaria a visão eurocêntrica. Então, a injúria racial está dentro do que se compreende por racismo devido a sua essência de retirar daquele indivíduo em específico sua característica maior de racionalidade, através de segregação por fatores como raça e etnia, que refletem uma manobra de dominação pela suporta superioridade um grupo. Por fim, a omissão do Estado quanto ao assunto versado na ADI apenas serve de reforço estrutural da dominação ocidental que não terminou, apenas está com suas raízes tão fincadas que parecem parte do solo.

 

Primeiramente, cabe discorrer sobre a ADI que será abordada. Em suma, em tal Ação Direta de Constitucionalidade (6987), o Partido Cidadania solicitou para que o Supremo Tribunal Federal reconhecesse injúria racial como um mecanismo de racismo – visto que era entendido que a diferenciação entre esses dois termos era responsável por promover mais malefícios do que benefícios para a comunidade negra.

Nesse viés, para discutir o tema em questão, é válido analisar o passado histórico do Brasil, bem como o panorama atual, no que diz respeito ao racismo. Desse modo, haja vista o sistema escravocrata que foi vivenciado por muitos anos da história brasileira, é notória a extensão das consequências desse aos dias contemporâneos – negros são até hoje considerados inferiores, por exemplo. Isto é, negros foram, por muitos anos, coisificados e, incontestavelmente, essa hierarquia moldada pelos europeus perpetua-se até a modernidade – isso pode ser percebido visto as inúmeras atitudes racistas que permeiam o cenário hodierno.

            Em relação à sociologia, é de suma importância citar McCann e seu conceito de Direito como instrumento para mobilização coletiva, haja vista a notória e árdua união de esforços a fim de conquistar uma medida capaz de impelir a justiça quanto ao tema em questão. Ademais, faz-se necessário mencionar acerca do conceito de magistratura do sujeito sintetizado por Garapon. Em linhas gerais, para esse, o Direito possui a incumbência de proteger aqueles grupos historicamente excluídos com o intuito de que seja superada a ampla desigualdade que esses vivenciam. Tal conceito pode ser utilizado no caso em questão, uma vez que o Partido citado fez uma solicitação com o fito de que seja mitigada as disparidades ainda existentes.

Enfim, é sobejamente evidente que a proposta feita pelo partido Cidadania deve ser aplicada, uma vez analisados o passado brasileiro, o contexto atual e os conceitos sociológicos mencionados. Ou seja, entende-se que reconhecer a injúria racial como racismo é um meio de alcançar a igualdade material tanto almejada e prevista na Constituição Federal.

terça-feira, 29 de novembro de 2022

ADI 6987: um meio de tentar garantir a inexistência de espaços expressivos para racistas

 Por meio da ADI - Ação Direta de Constitucionalidade 6987, o Partido Cidadania busca que o STF (Supremo Tribunal Federal) reconheça a injúria racial como forma de racismo. Mediante  o pleito do partido é válido - e necessário - analisar e considerar todo o passado histórico do país, bem como a atual conjuntura. Assim, diante da história do Brasil é possível constatar como os negros foram coisificados e materializados, reduzidos à categoria de mercadorias, a herança da associação dos negros ao trabalho braçal e o ideário de hierarquia criado pelos brancos do período perdurou por muito tempo e - infelizmente - ainda sobrevive como ideologia justificativa para sujeitos racistas. 

Diante desse panorama social e histórico, Bourdieu demonstra que o Direito é uma ciência que resulta das lutas e demandas sociais, logo, a realização do mesmo se dá ao atender os desejos dessas lutas sociais. Outrossim, Mccan propõe a mobilização do direito como forma de ação coletiva, isto é, a ciência jurídica se realiza e manifesta em prol das lutas coletivas, das demandas sociais. Desse modo, percebe-se que para ambos autores o conceito difuso de "justiça" e a definição da atuação do direito se fundamentam na realização das aspirações coletivas, tal como a ADI 6987. 

Ademais, o jurista Garapon traz a teoria da magistratura do direito em seus estudos, de acordo com tal teoria o direito é o responsável pela tutela dos sujeitos que são expostos ao cenário das desigualdades, ou seja, é de função jurídica a responsabilidade de assegurar a igualdade material aos indivíduos socialmente vulneráveis. Nessa mesma linha de raciocínio, Mbembe discorre sobre a necropolítica existente ao transferir para o Estado o poder de decisão daqueles que vivem ou morrem, ou seja, deixar simplesmente que o Estado cuide das minorias sociais de maneira abstrata é permitir que o Estado seja omisso quanto à morte desses, vez que o Estado não atua de forma a proteger a vida desses sujeitos. Por fim, a teórica Sara Araújo expõe que o ordenamento jurídico deve ser responsável por abranger as vozes e demandas dos grupos sociais, logo, de maneira sintética percebe-se como os estudos dos teóricos supramencionados revelam que a atuação do Jurídico deve ser fundamentada e orientada em prol das demandas sociais, bem como proteger e tutelar minorias que são historicamente segregadas do organismo social, tal como os negros. 

Desse modo, percebe-se a importância e relevância da proposta do Partido Cidadania, que visa dar voz àqueles que são historicamente silenciados e segregados, tão logo retirar do racista qualquer espaço para manifestações que não devem existir. 

Júlia Samartino - 1° ano Direito matutino 

A ADI n.6.987 como uma importante manifestação do ativismo judicial.

A manutenção do racismo estrutural perdura há décadas, essencialmente em um país conservador, racista e patriarcal como o Brasil, o qual sustenta seu habitus para que esse padrão de sociedade perdure, e é em virtude disso que a injúria racial tem sido motivo de debate acerca de seu enquadramento como racismo, haja vista que reúne elementos contundentes para sua caracterização. A Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) n.6.987 trata exatamente dessa questão, o qual “em face do artigo 140, §3º, do Código Penal, para que, à luz do princípio da proporcionalidade enquanto proibição de proteção insuficiente, a conduta que a jurisprudência e posteriormente a doutrina convencionaram chamar de “injúria racial” seja considerada como espécie de racismo”, ou seja, a conduta de ofender um indivíduo em sua honra por elemento racial deve ser entendida como o crime de praticar o preconceito por raça. Tal questão perpassa por alguns pontos relevantes como: incoerência da ideia de injúria não-racista, tendo em vista que essa é uma prática que perdura o racismo estrutural no país e impunidade do racismo decorrente de tudo ser classificado como uma injúria racial não-racista. 

Diante desse quadro, cabe salientar que tal tema é passível de discussão tendo em vista a caracterização do espaço dos possíveis pela Constituição Federal de 1988, a qual trata nos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil a promoção do bem de todos, “sem preconceitos origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” (art. 3º, IV), além de enunciar como princípio norteador do ente soberano em suas relações internacionais o “repúdio ao terrorismo e ao racismo” (art. 4º, VIII). Assim como, o texto constitucional trouxe ainda mandamento de incriminação de condutas racistas, como inafiançáveis e imprescritíveis. Ademais, o Habeas Corpus (HC) 15248, que trata da defesa de uma mulher com mais de 70 anos, a qual foi condenada por ter ofendido uma trabalhadora com termos racistas.

Nesse sentido, convém ressaltar a princípio, que o conflito dentro do espaço dos possíveis é apenas aparente, haja vista que a Constituição Federal, norma Constitucional que rege todas as outras normas, apresenta-se claramente contra qualquer forma de discriminação racial, o que pode incluir a injúria racial, principalmente, quando entendida pela jurisprudência ser é imprescritível, por ser espécie de racismo. Ademais, o não reconhecimento da injúria racial como racismo torna ineficaz o repúdio constitucional ao racismo. Isso ocorre em virtude da busca por uma racionalização no que diz respeito à impunidade de indivíduos racistas, ou seja, a ausência de jurisprudência que enquadre a injúria racial como racismo, contribui para que o problema seja tratado apenas de forma superficial, contribuindo, assim, para que continue um conflito racial e uma segregação formal que ocorrem de maneira velada, dissimulada, encoberta pelo mito da democracia racial e pela cordialidade do brasileiro. 

Como resultado, a neutralização ou universalização da norma para tratar do tema de injúria racial mostram-se como um dos pilares que perpetuam o racismo estrutural, haja vista a ausência de uma interseccionalidade capaz de entender todas as motivações de quem é racista, isto é, a busca pela manutenção de uma sociedade patriarcal, elitista e branca. Diante do supracitado, a historicização da norma, entendida como adaptação às mudanças sociais,  segundo Pierre Bourdieu, embora apresente grande avanço essencialmente com a Constituição Federal, ainda sofre com as possibilidade perdidas de modificação do campo social e do campo jurídico, haja vista que desde a abolição da escravatura não há um combate expresso ao racismo velado, manifestado atualmente pela injúria racial, a qual não é tratada como racismo. 

Nesse ínterim, surge um ponto importante, pois, a ausência de normas que correspondam aos anseios dos indivíduos vítimas da desigualdade e principalmente vítimas do racismo, encontra na justiça, segundo Garapon, mecanismos capazes de apaziguar o molestar do indivíduo sofredor moderno, com isso, a magistratura do sujeito mostra-se presente, uma vez que há o chamamento da justiça para tutelar as formas de sofrimento. Assim, para Garapon, “a magistratura do sujeito torna-se uma tarefa política essencial, pois não basta denunciar o paternalismo ou o controle social: a evolução das sociedades democráticas devolve à proteção toda sua dignidade democrática”. 

O juiz coloca-se no lugar da autoridade faltosa para autorizar uma intervenção nos assuntos particulares de um cidadão, o qual para muitos denomina-se de judicialização da justiça, em que o magistrado toma iniciativa de protagonizar a discussão da demanda do momento atual, que, neste caso, busca enquadrar a injúria racial como racismo. A busca pela garantia do direito formal a uma parcela da população segregada em diversos setores da sociedade, faz com que a magistratura do sujeito seja uma prática que aprofunda a democracia e que é capaz de tutelar os indivíduos desamparados. Diante dessa perspectiva, o direito a ser tutelado diz respeito à questão da honra, o qual o indivíduo é ofendido em sua honra subjetiva por motivação racista, por seu pertencimento a grupo racial minoritário-estigmatizado. Logo, a capacidade do direito de invadir a moral, a intimidade, o autogoverno, mostra-se como a única via legítima capaz de solucionar o que está presente na ADI n.6.987. 

Outrossim, cabe ressaltar que o fato de o Brasil ser um país extremamente racista e que necessita de mecanismos jurídicos capazes de igualar os direitos de maneira formal e material, e que cada vez mais isso tem se mostrado como uma questão de urgência a ser solucionada, não é possível aferir um aspecto de antecipação na decisão expressa do julgado, tendo em vista que isso é uma discussão que está sendo relegada a um segundo plano a anos, o que contribui para que não seja possível uma antecipação da decisão. Diante dessa perspectiva, apesar de inúmeros entraves para que seja garantido a proposta do julgado, é possível mencionar sobre um aprofundamento da democracia, tendo em vista que as inúmeros movimentações sociais que chegam aos tribunais, por exemplo, intima a democracia a inventar novas maneiras de resolver conflitos e de proteger os indivíduos frágeis, essencialmente, quando a conjuntura atual exige que medidas no campo do direito sejam tomadas. 

Desse modo, a consoante demanda de mobilização do Movimento Negro e do movimento LGBTQIA+, mostra exatamente as mudanças do momento presente, o que para McCann, as ideias modelam cálculos de interesses e motivações para a ação. Assim, surge a mobilização do direito, que se refere às ações de indivíduos, grupos ou organizações em busca de realizações de seus interesses e valores. Tais questões ao serem acatadas modificam não apenas o contexto presente, mas também o futuro, haja vista que alguns tipos de comportamentos antes normalizados, passam a ser intoleráveis, tomando, assim, novos espaços e produzindo efeitos de longa duração. Em nível instrumental ou estratégico, produz efeitos de maneira imediata, moldando as ações dos atores do Estado e da sociedade, o qual fornece “diversos precedentes estratégicos para as partes envolvidas em diferentes relações por toda a sociedade. Tais precedentes tornam-se ‘fichas para a negociação’, resultantes de previsões sobre o que as partes conseguiram se fossem parar nos tribunais ou diante de outras autoridades jurídicas”; enquanto o nível do poder construtivo da autoridade judicial, mostra-se em caráter mais longo e de maior abrangência, isto é, “diz respeito aos modos pelos quais as práticas de construção jurídica dos tribunais são constitutivas de vida cultural.

Com isso muito bem delimitado, ao discutir tais questões na ADI n.6.987, pode-se falar acerca da questão de desafiar o cânone hegemônico até então normalizado, ou seja, uma única cultura imposta, descaracterizando todas as demais, essencialmente as do sul. É dentro dessa perspectiva que a autora Sara Araújo discute acerca do tema, o que, segundo ela, “o pensamento moderno impõe e estabelece os limites de uma linha abissal que divide o mundo entre o universo deste lado da linha e o universo do outro lado da linha”. Essa questão se manifesta no julgado, quando a questão da injúria racial não é vista como racista, isto é, existe uma questão intrínseca a essa ideia de fazer com que os indivíduos permaneçam impunes por uma questão que é velada no país, o que para a autora, “as dicotomias em que assenta a compreensão ocidental do mundo são, pois, nutridas de uma lógica evolucionista, que sobrepõe diferença, inferioridade e anacronismo”. Como resultado, o direito espelha-se nas cinco monoculturas de razão metonímica, “associada às ideias de racionalidade, neutralidade, objetividade e justiça, a linguagem jurídica moderna assume, pois, um papel fundamental na legitimação do modelo dominante, colonial”, e isso contribui para que a linha abissal continue sendo existente entre a ideia de primitivo e civilizado.

O caminho para o pluralismo jurídico e o desafio ao pensamento abissal nesse julgado, está relacionado ao reconhecimento da ecologia dos saberes que envolve a rejeição das cinco monoculturas que o direito reproduz, e para isso é preciso “rejeitar o universalismo abstrato do direito moderno e propor um reconhecimento da pluralidade e a transformação das diferenças verticais em diferenças horizontais: (...) alarga o cânone jurídico, evocando a ideia de copresença radical, opondo-se a leituras evolucionistas assentes na monocultura do tempo linear”. E para a implementação dessa perspectiva é preciso ouvir a mobilização da comunidade LGBTQIA+ e do movimento negros, os quais representam a ecologia dos direitos e das justiças, representados pela a visibilidade, a copresença, a horizontalidade, a desglobalização do local relativamente à globalização hegemónica, e a recuperação de ordenamentos jurídicos que regulam sistemas produtivos que a ortodoxia jurídica capitalista não reconhece. Desse modo, para encontrar o resultado da discussão da injúria racial como racismo, é preciso incluir outras vozes que não se ouvem na sociedade civil hegemônica.  

 Ademais, o julgado apresenta os diferentes aspectos da razão negra, citada por Achille Mbembe, essencialmente, o do alterocídio, quando faz com que a ideia de injúria racial não se enquadre como racismo, é fazer com que reiteradamente no contexto racista como o Brasil, as inúmeras ofensas destinadas aos negros sejam fatores que perpetuam a intolerância com o diferente e a perpetuação do discurso de democracia racial, o que contribui para inúmeros indivíduos saem impunes; assim como o enclausuramento do espírito, que coloca o negro como uma mercadoria, e faz com que seus valores sejam relegados a um segundo plano. 

Fica claro, portanto, que a injúria racial deve ser enquadrada como racismo, tendo em vista que em um país racista como o Brasil, inúmeras ofensas à honra sempre são destinadas às pessoas negras, o que deixa evidente que o preconceito não está sendo encarado em sua devida forma, contribuindo para impunidade de inúmeros indivíduos e para a perpetuação do racismo estrutural fruto de uma cultura hegemônica. 

  

Natália Lima da Silva 
Turma: XXXIX, Matutino.

Necropolítica: a omissão estatal frente a realidade da população preta no Brasil


O Partido Cidadania, em conjunto com o movimento negro e LBBTQIAP+, criou uma iniciativa para fazer uma equiparação de injúria racial ao crime de racismo, pois compreenderam, a partir de avaliações da aplicação da lei, que a diferenciação entre os dois termos trazia mais malefícios à população negra do que de fato benefícios - sua função original. Os advogados dos acusados de crime de racismo utilizavam da injúria para tornar as penalidades mais brandas aos seus clientes, uma forma de desviar dos objetivos reais da aplicação da justiça. Obtendo essa visão sob a realidade, o partido promoveu a discussão da ADI 6987 pelo Supremo Tribunal Federal. Observada tal situação, aqui pode-se citar o conceito de direito como uma ferramenta para mobilização coletiva de McCann, visto a união de esforços para a obtenção de uma medida legal que de fato permita a justiça para a população preta. 

Para dar início a essa discussão, utilizaremos a necropolítica a partir do viés de Mbembe. Esse filósofo disserta sobre como as políticas públicas afirmativas ou omissivas do Estado refletem incisivamente sobre a qualidade de vida dos diferentes grupos existentes na sociedade, permitindo que se sobressaiam uns aos outros. Assim, retira-se dessa ideia que o Estado não apenas é responsável por garantir os direitos fundamentais e a igualdade para a população, como detém todo o poder para realizar ou não suas obrigações para com os grupos minoritários.

Em um segundo ponto, faz-se necessário o acréscimo da ideia de magistratura do sujeito de Garapon. De acordo com esse jurista, o direito teria a função de auxiliar nas grandes problemáticas dos grupos sociais historicamente excluídos da política para que esses tenham, enfim, o suporte para a superação da larga desigualdade que os aflige. Com isso, volta-se à obrigação estatal de garantir ao indivíduo a sobressaliência dos direitos fundamentais - neste contexto, favorável à equiparação dos crimes de injúria racial e racismo. No entanto, tal qual dissertado no parágrafo anterior, as medidas estatais não necessariamente cumprem com suas funções e, neste caso, o Estado insiste por perpetuar sua omissão frente a realidade de mais da metade da população - cerca de mais de 50% dos brasileiros são autodeclarados pretos e pardos.

Porém, há maneiras da população contornar tal realidade para fazer valer a igualdade em um amplo sentido - assim como prometido pela Constituição Federal. A força dos movimentos sociais permite que haja uma pressão sobre as decisões políticas e coage para que os poderes de fato representem sua população. Nesse caso, temos a união de dois grupos minoritários: movimento negro e movimento LGBTQIAP+. Ambos associaram-se ao Partido Cidadania criando uma força política, uma voz e um caminho de comunicação frente à injustiça colocada. Atribui-se a esses quesitos a ideia de Bourdieu. Segundo esse sociólogo, o direito é uma mera ferramenta que movimenta-se de acordo com as demandas da sociedade. Assim, a transformação das vozes pretas - que elucidavam o modo errôneo da aplicação da lei de injúria racial e os malefícios que trouxe distanciar o termo ao crime de racismo para a população negra - em uma medida política como a ADI 6987, mostra-se uma maneira legítima de tentar contornar as problemáticas da necropolítica, a qual sempre mostrou-se omissiva frente a população negra.

Por fim, a necessidade do Estado em cessar com a omissão histórica frente à população preta - refletindo no dever de aderir ao pedido da ADI colocada ao qual foi negado - pode ser defendido, também, na conceituação de Sara Araújo no conflito das monoculturas do saber. Segundo essa teoria, o ordenamento jurídico deve incluir as demandas de grupos historicamente marginalizados e combater as ideologias que permitiram tal exclusão. Somente assim, o Estado estaria apto a obter uma menor diferenciação entre as ideias de igualdade formal (previsão no texto legal) e igualdade material (aplicação real da norma), buscando uma sociedade mais igualitária de ampliação democrática. No entanto, o que se obtém da realidade é a ignorância do Estado diante as demandas exigidas pelo movimento negro, uma perpetuação da necropolítica brasileira que sempre contribuiu para a marginalização dessa população. Assim, o Brasil continua na sua tradição racista com políticas públicas pouco eficazes para o combate do racismo estrutural. 


segunda-feira, 28 de novembro de 2022

Todo crime racial é racismo

A ADI 6987 ocorreu pelo pedido do Partido Cidadania de que a injúria racial seja considerada racismo. Desse modo, todas as pessoas que cometessem preconceito racial sofreriam uma pena maior. Levando em consideração que o Brasil é um país com mais de 50% da população se autodeclarando preta ou parda, considera-se que a aprovação dessa medida seria extremamente importante para o seu povo e para o propósito de igualdade previsto na Constituição Federal.

É fundamental observar a questão sob o ponto de vista do sociólogo Bourdieu, o qual diz que o direito é uma força resultante da força e demandas sociais. Nessa perspectiva, cabe ressaltar que, como foi supramencionado, a população brasileira se declara, majoritariamente, como negra ou parda. Sendo assim, é claro que o Estado deve tomar decisões que promovam a igualdade e punam quem não segue esse ideal, como a de classificar a injúria racial como racismo, um crime que ofende toda a população preta.

Sob esse viés, é possível citar Garapon que fala da magistratura do sujeito, a qual diz que o direito contemporâneo tem que tutelar os sujeitos que enfrentam dificuldades. Portanto, reconhecer a injúria racial como racismo é um método de alcançar a igualdade material que esse autor tanto almeja. Ademais, esse jurista diz que cada pessoa deve viver sua vida de acordo com seus valores, mas é necessário destacar que a liberdade de expressão não pode ferir a dignidade dos outros. Por conseguinte, a injúria racial é apenas uma forma de liberdade de expressão e de racismo, por isso, deve ser punida com a mesma intensidade.

Além disso, é essencial citar McCann que vê a mobilização do direito como ação coletiva. Nessa perspectiva, é óbvio que um país com grande parte populacional preta e parda se mobiliza com a questão de como a pena da injúria racial e seu significado são injustas com a população que sofre esse preconceito. Desse modo, a classificação da injúria racial como racismo é uma vitória para o povo e o direito brasileiro.

Outrossim, é preciso citar Sara Araújo que discorre sobre a ecologia de direitos e de justiças, a qual realiza um confronto com as monoculturas do saber, que se trata de um modo eurocêntrico e excluidor de grupos diversos. Nesse contexto, é defendido que os ordenamentos jurídicos devem abranger as vozes dos grupos sociais que são vistos como inferiores e sofrem preconceito. Por isso, a equivalência de injúria racial como racismo é um modo de mitigar essa visão eurocêntrica e racista difundida ao longo dos séculos.

Nesse contexto, cita-se Mbembe, um filósofo que discorre sobre a necropolítica que seria transferir para o Estado o poder de decidir quem pode viver e morrer. Desse modo, certos grupos passam a ser vistos como inimigos do Estado e são a primeira escolha para sofrerem consequências negativas. Cabe ressaltar que esses grupos são os pretos e as pessoas de baixa renda. Logo, o reconhecimento da injúria racial como racismo seria um modo de permitir que essa política tivesse uma taxa de eficiência menor.

Portanto, é evidente que a iniciativa do partido Cidadania foi extremamente acertada e deve ser analisada positivamente. O reconhecimento da injúria racial como racismo é necessário para que a igualdade seja alcançada no cenário brasileiro, o qual, infelizmente, ainda sofre muito com o preconceito racial.


Perturbação histórica aos direitos das minorias

No ano de 2009, através da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 186, o Partido Democratas (DEM) ajuizou diretamente à Suprema Corte um requerimento com o intuito de declarar inconstitucional a política de cotas implementada pela Universidade de Brasília (UNB). Pautados em uma deturpação completa da Constituição, afastando qualquer interpretação teleológica acerca do conteúdo da norma fundamental, o partido requereu, baseado na relativa abstração do texto normativo, a inconstitucionalidade de tal política. Através dos dispositivos dos Artigos 1°, 3°e 4°, a tese pretendia afirmar a política de cotas implementada para a inclusão de minorias socioeconômicas e étnico-raciais como preconceituosa e racista, ao passo que diferenciaria baseado em critérios étnicos, o processo de ingresso na universidade pública.

A priori, é imprescindível a ênfase à batalha promovida no campo jurídico dentro do espaço dos possíveis. Diante a implementação de medidas que caminham em direção contrária à noção rasa de igualdade promovida pelo constitucionalismo liberal, as elites sociais intensificaram a sua mobilização de capital social à manutenção da sua superioridade, nesse caso, através da ADPF. Com base na defesa de uma neutralidade do direito que impede o seu manuseio como mecanismo antecipatório das minorias, em forma contrária a democratização plena da sociedade, o DEM buscou afirmar a visão dominante de que há dentro do projeto delimitado pela Constituição Cidadã, a necessidade de abordagem completamente igualitária a todos os meios sociais, independentemente das incontáveis dissimilitudes entre os indivíduos.

É notória a necessidade de historicização da norma e destacar o sentido teleológico possível de ser atribuído ao texto normativo. Ao passo que a sociedade se transforma, a mutação constitucional deverá acompanhar as necessidades do presente, possibilitando transformações informais dentro do texto normativo, se altera o seu sentido, mas não seus princípios. Logo, acompanhando os objetivos fundantes da constituição, torna-se rutilante a precisão da decisão de declarar improcedente a arguição do DEM.

A Constituição de 1988 foi promulgada com intuito da defesa não apenas dos direitos de primeira dimensão, amplamente abordados pelo requerente, mas também pela proteção aos direitos de caráter social. A política de cotas busca democratizar o acesso ao ensino superior no país. Em um cenário de desigualdades sistêmicas possibilitadas por toda a história do Estado Brasileiro, a política afirmativa apenas busca administrativamente, afirmar o que os dispositivos constitucionais procuram resguardar e atingir, no caso, a democratização não apenas no tratamento perante a lei, mas no acesso a todos os serviços e campo social. Dessa forma, a historização da norma se faz necessária.

Os artigos introdutórios da Constituição não buscam afirmar um olhar cego perante as mazelas sociais e declarar apenas as igualdades necessárias àqueles que conseguem afirmar-se socialmente. Em meio a uma sociedade que criminaliza a pobreza e marginaliza as minorias étnico-raciais, o campo jurídico deve buscar a igualdade substancial entre os indivíduos, e isso passa pelo sancionamento de políticas e leis com atenção especial a pautas sociais. Seria impossível tutelar tais direitos por outra via que não seja a de Estado. Em meio a uma sociedade opressora e constantemente conflituosa, cabe aos poderes públicos o dever de arquitetar formas de acesso democrático a todos.

Vinicius Mota Corrêa de Souza - Matutino

SOBRE AS COTAS RACIAIS PARA MAIOR GARANTIA DA IGUALDADE

 

Ao se deparar com uma ADPF como a aqui tratada, logo se percebe a ignorância do proponente desta. Ter em mente que o sistema de cotas raciais para o ingresso no ensino superior público seria, de alguma forma, inconstitucional, é não só errôneo como preguiçoso.

Em primeiro lugar, vale explicitar o conceito de igualdade material como igualdade de fato, e não simplesmente teórica. A partir deste conceito um questionamento se faz cabível: “Como se dá a igualdade material?”. A resposta mais sintética para a pergunta seria por meio da famosa frase: “tratar os iguais de forma igual e os desiguais de forma desigual na exata medida das suas desigualdades".

Com a ciência de tal, parece incabível a concepção da inconstitucionalidade do tema aqui abordado. Isso pois, rapidamente se perceberia que foi a fim de materializar a igualdade, analisando o “espaço dos possíveis”, que o Estado criou tal mecanismo.

“Quem controla o passado, controla o futuro. Quem controla o presente, controla o passado.”. A frase de George Orwell se faz aplicável ao caso, uma vez que a população branca é historicamente dominante e isso se perpetua como um habitus, naturalizado na sociedade global. Desse modo, com a proposta de ser um paliativo no processo de reparação histórica, surgem as cotas raciais.

Dessa forma, sem ferir a democracia, o julgamento que considera improcedente o recurso da ADPF 186, vence o Partido Democrata – DEM, proponente ignorante, que expressa claramente a pretensão da monocultura do saber euro-ocidental. 

Pedro Xavier Pereira

 

A ADPF 186 e o Direito como ferramenta de igualdade

 

As cotas raciais são um tipo de ação afirmativa que visa incluir a população negra nos ambientes tanto de universidades públicas, como de serviços públicos, a fim de diminuir as desigualdades presentes devido ao histórico escravagista do país. Essas cotas reservam vagas exclusivas para essas pessoas.

A ADPF 186 tratou do julgamento de necessidade real ou não de adoção de cotas, até então não utilizadas, pela Universidade de Brasília, em 2004. No caso, o partido Democratas relata a não necessidade dessa medida. Na conclusão da ADPF, foi decidido, por unanimidade, que as cotas adotadas eram proporcionais e constitucionais.

Ao ver a Ação através do pensamento de Bourdieu, é possível verificar a historicização da norma, no momento que os juízes do STF utilizam o princípio da equidade, já existente, como meio de identificar a necessidade de tratamentos diferentes para populações que encontram patamares materiais desigual, o que era uma necessidade social. Em outras palavras, foi verificado que para se fazer real a equidade existente formalmente, era preciso reconhecer as desigualdades materiais. Ademais, com essa decisão do STF, as demandas dessa população comumente marginalizada, entra mais fortemente no espaço dos possíveis.

Paralelamente ao raciocínio já traçado, Antonie Garapon também criou um termo que explicita muito bem a situação analisada. O que ocorreu na ADPF 186 pode ser um exemplo de “magistratura do sujeito”, pois, o poder judiciário serviu como instrumento de proteção dos direitos constitucionais de uma minoria. Essa atitude foi extremamente necessária, ao considerar-se o histórico de violência e exclusão vivido por essa população, resultando em anos de lutas, as quais, dessa forma, começam a ser reconhecidas.

Ainda vale ressaltar que a ADPF 186 atendeu a demanda de uma minoria, como já dito, marginalizada cotidianamente, e que buscavam seus direitos de inclusão. Sendo assim, como explicado por Michael McCANN, a Ação serviu como ação político-social, no momento em que as necessidades se fizeram concretas através do direito.

Por fim, a utilização do direito por um cunho apenas formal, como defendido pelo partido Democratas no caso analisado, é ineficiente e colabora para a manutenção das desigualdades. Como definido por Sara Araújo, é preciso ter uma ecologia de direitos e de justiças, de forma que as lutas jurídicas sociais nascentes das lacunas do Estado sejam recebidas pelo Direito. Isso deve ocorrer com atenção às variações de cada região e população, para que todos tenham seus direitos garantidos de maneira semelhante. Por exemplo, não basta assegurar a educação pública para todos, sendo que os negros não conseguem acessá-la de forma equânime aos brancos.

Dessa forma, a ADPF 186 serviu como ferramenta de proteção e garantia de direitos que antes eram só formais. Resultou como um avanço de políticas públicas pelo Poder judiciário, após muita luta de um povo comumente marginalizado.

Isabela Bucci Lopes