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terça-feira, 29 de novembro de 2022

Necropolítica: a omissão estatal frente a realidade da população preta no Brasil


O Partido Cidadania, em conjunto com o movimento negro e LBBTQIAP+, criou uma iniciativa para fazer uma equiparação de injúria racial ao crime de racismo, pois compreenderam, a partir de avaliações da aplicação da lei, que a diferenciação entre os dois termos trazia mais malefícios à população negra do que de fato benefícios - sua função original. Os advogados dos acusados de crime de racismo utilizavam da injúria para tornar as penalidades mais brandas aos seus clientes, uma forma de desviar dos objetivos reais da aplicação da justiça. Obtendo essa visão sob a realidade, o partido promoveu a discussão da ADI 6987 pelo Supremo Tribunal Federal. Observada tal situação, aqui pode-se citar o conceito de direito como uma ferramenta para mobilização coletiva de McCann, visto a união de esforços para a obtenção de uma medida legal que de fato permita a justiça para a população preta. 

Para dar início a essa discussão, utilizaremos a necropolítica a partir do viés de Mbembe. Esse filósofo disserta sobre como as políticas públicas afirmativas ou omissivas do Estado refletem incisivamente sobre a qualidade de vida dos diferentes grupos existentes na sociedade, permitindo que se sobressaiam uns aos outros. Assim, retira-se dessa ideia que o Estado não apenas é responsável por garantir os direitos fundamentais e a igualdade para a população, como detém todo o poder para realizar ou não suas obrigações para com os grupos minoritários.

Em um segundo ponto, faz-se necessário o acréscimo da ideia de magistratura do sujeito de Garapon. De acordo com esse jurista, o direito teria a função de auxiliar nas grandes problemáticas dos grupos sociais historicamente excluídos da política para que esses tenham, enfim, o suporte para a superação da larga desigualdade que os aflige. Com isso, volta-se à obrigação estatal de garantir ao indivíduo a sobressaliência dos direitos fundamentais - neste contexto, favorável à equiparação dos crimes de injúria racial e racismo. No entanto, tal qual dissertado no parágrafo anterior, as medidas estatais não necessariamente cumprem com suas funções e, neste caso, o Estado insiste por perpetuar sua omissão frente a realidade de mais da metade da população - cerca de mais de 50% dos brasileiros são autodeclarados pretos e pardos.

Porém, há maneiras da população contornar tal realidade para fazer valer a igualdade em um amplo sentido - assim como prometido pela Constituição Federal. A força dos movimentos sociais permite que haja uma pressão sobre as decisões políticas e coage para que os poderes de fato representem sua população. Nesse caso, temos a união de dois grupos minoritários: movimento negro e movimento LGBTQIAP+. Ambos associaram-se ao Partido Cidadania criando uma força política, uma voz e um caminho de comunicação frente à injustiça colocada. Atribui-se a esses quesitos a ideia de Bourdieu. Segundo esse sociólogo, o direito é uma mera ferramenta que movimenta-se de acordo com as demandas da sociedade. Assim, a transformação das vozes pretas - que elucidavam o modo errôneo da aplicação da lei de injúria racial e os malefícios que trouxe distanciar o termo ao crime de racismo para a população negra - em uma medida política como a ADI 6987, mostra-se uma maneira legítima de tentar contornar as problemáticas da necropolítica, a qual sempre mostrou-se omissiva frente a população negra.

Por fim, a necessidade do Estado em cessar com a omissão histórica frente à população preta - refletindo no dever de aderir ao pedido da ADI colocada ao qual foi negado - pode ser defendido, também, na conceituação de Sara Araújo no conflito das monoculturas do saber. Segundo essa teoria, o ordenamento jurídico deve incluir as demandas de grupos historicamente marginalizados e combater as ideologias que permitiram tal exclusão. Somente assim, o Estado estaria apto a obter uma menor diferenciação entre as ideias de igualdade formal (previsão no texto legal) e igualdade material (aplicação real da norma), buscando uma sociedade mais igualitária de ampliação democrática. No entanto, o que se obtém da realidade é a ignorância do Estado diante as demandas exigidas pelo movimento negro, uma perpetuação da necropolítica brasileira que sempre contribuiu para a marginalização dessa população. Assim, o Brasil continua na sua tradição racista com políticas públicas pouco eficazes para o combate do racismo estrutural. 


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