A minha vida não é nem nunca foi a das mais emocionantes, mas algo que me ocorreu a uns meses atrás me intriga até hoje, e por isso, creio ser interessante contar sobre aquele dial crucial na minha história. Sou aquele tipo de pessoa que passa desapercebida, que não recebe muito atenção, e que se a recebe, é da forma negativa. Acordava todos os dias as 4h da manhã e começava a me movimentar para chegar a tempo no trabalho. Assim que designado ao meu posto, recebia diferentes olhares na rua, alguns me encaravam com cara de nojo, outros simplesmente me ignoravam, mas as mães sempre me usavam de exemplo para dizer para suas crianças que se não estudassem terminariam como eu - minha senhora, eu sou formado e com muito orgulho, mas todas as batidas de porta na minha cara foram suficientes para que eu precisasse procurar algo que me sustentasse - . Cada dia era uma surpresa sobre meus afazeres, podiam me colocar atrás de um caminhão de lixo, no qual eu teria de correr o mais rápido possível para pegar todos os sacos dispostos pelas ruas e ainda assim voltar a tempo de subir no caminhão e me enganchar nos ferros laterais para prosseguir a viagem, podiam também me entregar uma máquina com uma lamina que nunca sequer me disseram o nome, ou me treinaram para usar para que eu corte o mato que cresce nas avenidas de São Paulo, ou até mesmo podiam me dispor de uma vassoura rastelo para juntar os amontoados de folhas caídos das grandes árvores na selva de pedra. Naquele dia em questão, foi custoso sair da cama, me sentia fraco e muito dolorido, me arrastei ate o banheiro e me espantei com meu reflexo, estava abatido e com os olhos amarelados. Tomei coragem e puis me a tomar um banho, pensando que a água quente poderia me ajudar, mas no instante em que liguei o registro, senti minha visão turvar e tive de segurar na cortina para não cair, eu não estava em condições de ir trabalhar, era bem óbvio, então resolvi ligar para meu patrão. A conversa foi bem curta, basicamente ir ou não ir não importava, pelo menos para ele, se eu não fosse teria o dia descontado no fim do mês, e apenas uma olhada na minha pilha de contas na mesa foi suficiente para que eu me arrastasse até o guarda roupa e pegasse meu uniforme. Segui até o centro de distribuição da empresa de forma sofrida, naquele dia me deram a vassoura. E eu outros 2 colegas fomos mandados para um bairro nobre no qual precisavamos recolher todas as folhas que uma grande árvore havia soltado ao longo da calçada, e depois repetir isso ao longo de todo o bairro. Depois de trabalhar quase 2h sobre o sol quente e impiedoso, comecei a ver pontos pretos e a sentir meu corpo mole, a última coisa da qual me lembro é de ver um de meus colegas correndo em minha direção e de sentir o duro impacto do chão sobre meus ossos. Quando acordei, senti meus dois colegas abanando meu rosto com as mãos e me ajudando a levantar, "vamos te levar de volta para o centro de distribuição, desse jeito não tem como trabalhar" disse um deles já pegando as vassouras e me apoiando no ombro. Nesse instante um engravatado saiu de uma das grandiosas casas que nos cercavam e nos disse rispidamente "para onde vocês vão? não vão terminar de limpar essa sujeira?", "senhor, nosso colega passou mal e desmaiou no meio da rua, precisamos levá-lo de volta para casa", o homem franziu o cenho e respondeu "mas que desculpinha, esse é o trabalho de vocês não é? uma coisa tão simples dessas, como que não podem terminar logo?, "senhor, com todo respeito, se é tão fácil por que não o faz você mesmo?", nesse ponto, se fosse possível o homem teria acendido e explodido como um foguete, com a voz carregada o mesmo apontou o dedo em nossas direções e elevou seu tom de voz, "ora, mas que absurdo, como pode dizer para que eu faço esse tipo de trabalho, eu já faço a minha parte com a sociedade no emprego que cabe ao meu tipo de pessoa, se cada um for abandonar seus cargos de mérito para realizar essas tarefinhas que tipos como vocês não fazem, vai tudo ficar uma bagunça. Mas tenham certeza de que farei uma reclamação expressa sobre vocês, dessa forma, o emprego de vocês pode ir para alguém que queira trabalhar de verdade, porque eu tenho orgulho de ser um trabalhador", depois bateu o portão de sua casa e nos deixou do lado de fora sem palavras. O resultado daquela "bronca" veio dois dias depois na forma de uma carta de demissão, não só para mim como para meus dois colegas, descobrimos que o homem em questão era herdeiro de uma grande empresa de alimentos, e que provavelmente trabalhava 4h por dia e aproveitava o fim de semana em sua luxuosa casa ou viajando pelo mundo. Não quero parecer presunçoso, mas temos definições diferentes de "trabalhador", mas queria que a minha fosse mais próxima da dele. Depois disso, não consegui achar mas nenhum emprego, as dívidas me engoliram e no fim, acabei onde todo pobre tem medo de se achar, na rua, sem casa, sem trabalho, sem nada. Hoje em dia eu luto para ter o que comer, luto para não morrer de frio e nem de calor, as pessoas que passam por mim me olham com mais nojo ainda do que antes, as poucas que me dão dinheiro, faltam jogar em mim com desprezo, e eu acho curioso, porque numa sociedade que preza tanto o coletivo, o individual se mostra dia após dia presente, uma sociedade que preza pela ordem e progresso, esquece daqueles que foram subjugados pela própria, e ainda exigem reciprocidade e colaboração, muito curioso mesmo.
- Vitória Santos da Silva
1º ano Noturno
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