Para tornar-se compreensível a metáfora da
sociedade funcionando como uma engrenagem, faz-se necessário um maior
entendimento dos estudos de Augusto Comte, fundador da física social, também
conhecida como sociologia. O sociólogo apresenta duas leis lógicas, a estática
e a dinâmica, fazendo surgir assim, respectivamente, os conceitos de ordem e
progresso.
Na
estática, observa-se que os indivíduos de uma determinada sociedade estabelecem
padrões de conduta, chamados por Comte de moral, a fim de buscarem a sua
estabilidade, seu equilíbrio, alcançando, assim, a ordem. É nesse contexto que
surge a solidariedade positivista, sendo caracterizada pelo cumprimento, por
parte de cada indivíduo pertencente àquela sociedade, de seu papel, suas
funções sociais. Na perspectiva positivista, a educação assume um papel
essencial na perpetuação da moral de uma sociedade, o que acabou e ainda hoje
acaba, infelizmente, justificando a interferência por parte de povos que se
encontram em um estágio superior de desenvolvimento, no caso o positivo (que busca
descobrir as leis efetivas do universo, utilizando-se do raciocínio e da
observação), sobre povos que ainda se encontram no primeiro estágio, o
teológico (tendo os fenômenos explicados por meio de intervenções sobrenaturais
ou divinas). Podemos citar como exemplo dessa situação o neocolonialismo do
século XIX e a atual negação de políticas públicas destinadas aos povos
indígenas e tradicionais com frases que evidenciam claramente que esses povos
não devem ter políticas e tratamentos especiais, e sim, serem trazidos ao
estado positivo e dessa forma, se adequarem às já existentes.
Já
com relação à dinâmica, que corresponde ao efetivo desenvolvimento humano,
tem-se que só pode ocorrer após, primeiramente, garantida a ordem social.
Sendo, dessa maneira, aquilo que é feito, dentro dos limites da ordem, em uma
marcha da sociedade em direção ao progresso. Porém, essa ideia de progresso não
abrangia felicidades individuais ou identidades grupais, como exemplo a
comunidade LGBTQIA+. Para Comte, o progresso seria técnico, de modo que
garantiria o bem-estar social porém, de maneira bastante restrita, apenas para
que as pessoas possam exercer suas funções sociais de forma satisfatória, ou
seja, realizarem as funções necessárias para permitirem que a engrenagem da
sociedade continue a funcionar.
Essa
interpretação a respeito da solidariedade positivista como sendo a função dos
indivíduos de cumprir seu papel na sociedade faz com que surjam opiniões como
as de Olavo de Carvalho, em seu livro O Imbecil Coletivo, quando aborda sobre
as “Mentiras Gays”. Ela abre frestas para que tal autor negue o papel social
dos gays na sociedade, já que eles apenas estariam se submetendo ao desejo e
que suas relações sexuais não seriam, então, necessárias para que a engrenagem
social continuasse a funcionar. Esse autor afirma, ainda, que essa comunidade
não deveria reivindicar e ter mais direitos que os dispostos à qualquer outro
indivíduo, sendo esses, por exemplo, o direito de ir e vir, de expressão, à
privacidade e à não discriminação devido a sua escolha sexual, que deve ser
privada, no emprego e na vida social em geral. Isso vai exatamente ao encontro
do que afirma Comte sobre essas reivindicações prejudicarem a ordem e a
estabilidade e sobre o progresso garantir, apenas, o bem-estar social necessário
para que a engrenagem não pare de rodar.
Com
isso, podemos perceber como interpretações e estudos superficiais a respeito das
ponderações de Augusto Comte podem acarretar em visões preconceituosas, como a
de Olavo de Carvalho. Assim, torna-se essencial uma análise profunda e crítica
à respeito dos estudos desse sociólogo para que possamos combater esses
preconceitos e construir uma engrenagem social que funcione e que, ao mesmo
tempo, garanta o real bem-estar a todos os indivíduos nela presentes,
respeitando suas reivindicações e necessidades para que, apenas assim, possamos
finalmente chegar ao tão almejado “verdadeiro” estado positivo.
Júlia Martins Amaral - 1º Ano - Direito Matutino
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