Eram sete horas da manhã quando o
celular despertou e João acordou. Mais dez minutos na cama não o atrasariam
para a aula. Apertou, então, o botão da soneca e deitou a cabeça no
travesseiro. Porém não conseguiu dormir. Como poderia a tecnologia ter avançado
tanto em tão pouco tempo? Há vinte anos atrás nem computador existia direito,
hoje temos um pequeno aparelho que controla todos os aspectos de nossa vida,
inclusive o tempo.
Lembrou-se então dos textos de
Descartes e Bacon que foram a base do método científico. Que revolução! Ver a
natureza como uma máquina, dominá-la para trazer inúmeros benefícios ao homem,
saber realmente é poder!
Pensamentos a mil, resolveu
levantar. Todas aquelas tecnologias a sua volta, quantos benefícios. Ligou
aquela que fez uma grande transformação na vida do homem: a TV. O jornal
continuava a falar sobre os massacres que haviam acontecido naquela semana. Que
tragédia! Quantas pessoas mortas! Quantas crianças mortas! Todas tinham um
futuro pela frente.
Logo veio em sua mente o
pensamento de que as ideias de Descartes e Bacon haviam levado à tortura do
mundo. Onde ouvira isso? Possivelmente em algum filme. Era vaga a ideia de uma
mulher, física talvez, falando sobre o assunto. Mas provavelmente ela estava
certa.
Não que Descartes e Bacon tenham provocado
isso, mas a visão deturpada das suas ciências sim. Aquelas armas utilizadas
pelos garotos em Suzano haviam sido desenvolvida por essa ciência. A propagação
de ideias neofascistas que teriam influenciado os meninos a agirem daquela
forma tinha sido fruto do avanço da ciência moderna. A destruição causada pelo
próprio Fascismo no século XX era responsabilidade da ciência. Foi o avanço
dessa ciência que desenvolveu a indústria bélica. Foi o avanço dessa ciência
que criou as câmaras de gás utilizadas no holocausto. Foi utilizando o avanço
da ciência como fim que muitos nazistas fizeram experiências cruéis com judeus
nos campos de concentração. Foi o avanço dessa ciência que criou as bombas atômicas
e colocou o mundo em constante medo de uma guerra nuclear. O conceito dessa
ciência deveria, na verdade, ser chamado de ciência de dominação, dominação
tanto da natureza pelo homem quanto do próprio homem pelo homem.
Mas na verdade o que seria o
Fascismo? João não lembrava muito sobre o significado do conceito propriamente dito.
Não havia prestado muita atenção nas aulas de História do ensino médio, mas
lembrava dos filmes sobre a Segunda Guerra Mundial e da destruição que o
Fascismo tinha causado. E, além disso, havia percebido que o conceito, hoje em
dia, havia voltado à boca do povo.
Resolveu, então, buscar sobre o
assunto no Google. Descobriu que haviam duas modalidades de fascismo: uma que
caracterizava apenas o indivíduo e outra que caracterizava um governo; mas que
ambas tinha inúmeros aspectos em comum. Ambas eram marcadas por ideais
preconceituosos e por características autoritárias.
E o que seria ideais
preconceituosos e autoritarismo, se não uma forma de dominação? Talvez o
próprio fascismo tenha sido fruto desse conceito de ciência, dessa dominação do
homem pelo própria homem.
Eis que veio a seguinte dúvida na
mente de João: seria possível haver uma ciência que nos ajudaria a escapar do
Fascismo? Dessa dominação do homem pelo homem?
A imagem da física do filme foi
se tornando cada vez mais clara. Ela sabia a resposta. Para ela, o mundo não
seria uma máquina composta de partes que devem ser analisadas separadamente
para podermos analisar o todo, nem o homem. Somos um todo composto por partes
interligadas e interdependentes, que devem ser analisadas conjuntamente. A
Terra não é simplesmente um planeta composto por matéria e seres vivos, ela é
um grande organismo vivo, como aponta a Hipótese de Gaia.
Realmente, a física estava certa.
Esse pensamento de que o todo é composto por partes que devem ser analisadas separadamente
gera individualismo. E enquanto pensarmos em uma ciência que beneficia o
indivíduo, ou até mesmo um grupo, e não o coletivo, não seremos capaz de nos livrarmos
dessa dominação. É necessário começar pela transformação do conceito de ciência
e do próprio método científico, é necessário olhar o todo, as partes e as suas
relações ao mesmo tempo.
Tempo! Já eram 8h15. A ciência moderna
falhara mais uma vez. João estava atrasado.
Bianca Garbeloto Tafarelo (1º ano de Direito - matutino)
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